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Tangerina: as crianças têm a palavra

Embora já com alguma cor, as salas de aula ainda estavam um pouco despidas quando a PÁGINA visitou a Tangerina, uma escola privada que nasceu no Porto, por vontade de um grupo de pais e de profissionais da educação. Era o início do ano letivo e os trabalhos só vão aparecendo ao longo do ano, mas num corredor havia uma parede bem cheia com mensagens dos pais dos alunos – “aprender” e “divertir” eram as palavras de ordem e apareciam sempre juntas. Porque “uma coisa e outra não são inconciliáveis. Pelo contrário”.

 

Um pequeno passeio pelas salas de aula da Tangerina bastou para perceber que as crianças têm a palavra nesta escola, seja na interpretação de uma história, na sala dos quatro anos, seja na composição de um texto a contar o que fizeram nas férias de verão, na sala da terceira classe, ou na aprendizagem da Matemática, na sala do quarto ano. A participação do aluno no processo de ensino e aprendizagem é fundamental ali, pois os professores acreditam que as crianças são capazes de expressar as suas opiniões, de fazer perguntas pertinentes e de argumentar.

Os princípios educativos são os mesmos que se defendem há mais de 100 anos para orientar a chamada Escola Nova. O difícil, sublinha Manuel Rangel, diretor da Tangerina, é traduzi-los no dia a dia em mais do que “declarações de intenção”. O que se pretende nesta escola é dar mais autonomia a cada um dos alunos, respeitando as características individuais de cada um e dando-lhes a palavra. Eles são desafiados e estimulados, porque “uma criança com uma cabeça bem feita” facilmente faz a parte escolar.

Para Manuel Rangel, muitas vezes diz-se que “a criança tem de ter opinião”, mas depois isso não se traduz na realidade, pois “a Escola continua a querer as coisas fechadas e padronizadas” e está mais interessada em ouvir as respostas dos alunos do que propriamente as suas perguntas e inquietações. “Não se lhes dá o estatuto de maioridade no pensamento.”

 

Diferentes métodos de ensino

A iniciativa de criar a Tangerina, no ano letivo de 1997/98, partiu de um grupo de pais que queria para os seus filhos um ensino com características diferentes da escola tradicional, com projetos e métodos mais criativos e inovadores, e que desse continuidade ao programa de Matemática [Comprehensive School Mathematics Program] que estava a ser praticado na escola privada onde os filhos estudavam. Começou com 60 alunos e hoje tem cerca de 160 crianças no jardim-de-infância e no 1º Ciclo.

“No fundo, os pais queriam um certo tipo de Educação que ali era configurada no programa de Matemática. E esse programa é coerente com outros dos nossos princípios, em termos educativos de base”, refere Manuel Rangel, adiantando ser este um programa mais assente “em conceitos do que em técnicas”. Pretende-se assegurar que a aprendizagem da Matemática seja mais do que a aquisição de ferramentas de cálculo, que seja também um contributo importante para o desenvolvimento do pensamento lógico e da capacidade de interpretar o mundo.

 

 

Assim é, também, com as restantes disciplinas. Em Estudo do Meio, por exemplo, os professores têm como referência o programa, mas não o seguem de forma intencional. Trabalham com os alunos por projetos e vão deixando fluir os assuntos e estudando os temas que mais interessam às crianças. No final, é feito um levantamento do que falta e, então sim, esses temas são acrescentados. “Partimos do princípio inverso”, sublinha o diretor da escola. E assim vão cumprindo as metas, até porque os alunos estão naturalmente sujeitos a exame. “Mas fazemos o nosso programa normalmente”, ressalvou.

E tem sido muito gratificante saber que estes métodos resultam, embora esse não seja o objetivo primordial. “O que nos dá mais gosto, e que talvez seja a nossa maior vitória, é termos demonstrado nestes já quase 20 anos que é possível manter estes princípios todos e ter bons resultados”, frisa Manuel Rangel, acrescentando que, ao contrário do que muitos pensam, os alunos podem ser felizes na escola e ter bons resultados, seja nos anos que passam na Tangerina, seja depois no 5o ano. Embora não trabalhem para a nota académica, “é bom saber que aquilo que eles aprenderam funciona como um bom suporte mesmo no ensino mais tradicional.”

 

Responsabilidade e envolvimento

Uma das curiosidades desta escola é que alunos e professores almoçam juntos nas salas de aula. Embora haja oficialmente um espaço de cantina, o local onde se ensina Português e Matemática é transformado num espaço de convívio. E esse é um momento importante na relação de proximidade entre alunos e professores. “Cria responsabilidade e envolvimento. E para nós faz parte da educação”, considera Manuel Rangel.

As turmas têm uma equipa responsável por limpar a sala depois do estudo e pôr a mesa e outra por limpar a sala no final do almoço. “Isto trabalha muito a questão dos papéis. Todos estamos ali, todos temos obrigação de fazer. Se sujamos, temos de limpar.” E é também vivendo estas práticas que se aprende.

Embora sendo “um grande defensor da Escola Pública”, é numa escola privada que Manuel Rangel encontra espaço para concretizar a metodologia que defende. É preciso que as crianças tenham a palavra e a Escola deve ser o local onde elas podem aprender aquilo que lhes desperta a curiosidade. Para lá chegar, a Tangerina aposta nos projetos e nas expressões, em todas as suas formas, como opções metodológicas.

“Os projetos são um instrumento que nos permite dar às crianças a noção do papel da Escola, onde elas podem estudar o que quiserem saber”, explica o diretor. “A expressão, no fundo, é o que nos permite respeitar as crianças e dar um sentido correto ao trabalho que fazemos com elas. É pensar que toda a Escola deve servir para as crianças entenderem o mundo e expressarem ideias e sentimentos sobre ele.”

Na Tangerina é valorizada a Educação pela Arte, porque educar pela Arte “é incorporar a dimensão das expressões na Educação geral das pessoas”. Assim, é quase certo que as paredes daquela casa, na Avenida da Boavista, já estão a encher-se de cor: dos trabalhos e da alegria dos seus alunos.

Maria João Leite (reportagem)

Ana Alvim (fotografias)

 

[Entrevista a Manuel Rangel]


  
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