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Professores para sempre

A PÁGINA foi ouvir professores aposentados para quem esse estatuto não significa estar parado. Queríamos saber o que sentiram na passagem à reforma, o que andam a fazer, como vêem a escola desde fora. Vá lá saber-se porquê, depois de aceitarem o convite, dois deles indisponibilizaram-se para falar. Quatro partilham com os leitores as suas experiências. Há quem tenha algum tipo de saudade, e mantenha rotinas como continuar a ir comprar o pão à padaria ao pé da escola… Quem tenha sentido alívio quando a aposentação chegou, sobretudo pelo mal-estar que havia na profissão, de que a ministra e o primeiro-ministro de então eram os principais “culpados”… Quem ainda se emocione quando fala da passagem à reforma e confesse que os primeiros dias foram complicados… Quem se tenha deixado ficar mais por casa e tenha começado a sentir um certo vazio… Os quatro testemunhos que aqui trazemos revelam diferentes experiências e afazeres, conforme as circunstâncias, e um traço comum – a intensa paixão pelo ensino. Para estes quatro professores, aposentados há mais ou menos anos, o “bichinho” da profissão não morreu. Apesar das outras coisas que fazem, continuam a sentir-se professores. Para sempre…

 

 

CAROLINA NEGREIROS

Sinto-me reconhecida pelo meu trabalho como professora e isso é o mais importante

 

É ainda durante a vida activa que um professor prepara a passagem para a aposentação – opinião de Carolina Negreiros, professora de Economia: “quando ainda estava a dar aulas, já estava envolvida em vários projectos extra-curriculares”. Um deles foi o Grupo de Teatro da Escola Secundária Filipa de Vilhena (Porto). E no momento da reforma, Carolina acabou por continuar ligada a esta Oficina de Teatro. “Nunca fui capaz de fazer só uma coisa, por isso, estive sempre ligada a iniciativas paralelas. Quando me reformei, quiseram que eu ficasse ligada ao grupo, convidaram-me e hoje continuo a trabalhar muito com eles”.

Mas nem só do ensino se fez e faz a vida desta professora, reformada há 12 anos. Depois de vencer a batalha contra um cancro, passou a dedicar-se ao voluntariado no Instituto Português de Oncologia, apoiando “outras pessoas que têm de enfrentar um cancro da mama. Tento ter, também, um papel pedagógico, e tenho estado muitas vezes com grupos de alunos que querem falar com pessoas que venceram um cancro, para saberem mais”.

No passagem à aposentação, Carolina Negreiros manteve algumas rotinas – “continuei a ir comprar o pão à padaria em frente à escola onde dava aulas, por exemplo” –, mas nunca sentiu vontade de estar frequentemente na escola sem ter motivos para isso. “Quando me viam na Filipa de Vilhena, perguntavam-me se estava lá para visitar colegas e alunos. Dizia que não, que ia trabalhar. E ia mesmo! Nunca fui muito dada a essas visitas, nem queria chatear os meus antigos colegas. Por isso, só lá ia quando tinha coisas para fazer”, conta, visivelmente bem-humorada.

Depois de se reformar, chegou a experimentar uma universidade sénior, frequentando aulas do seu interesse, e continua a organizar apresentações do grupo de teatro da antiga escola. Com a reforma, acredita que ganhou tempo para outras coisas. “Sinto-me mais livre para outras actividades, e quando me aposentei senti essa liberdade para fazer certas coisas”. Crucial é manter um contacto próximo com as pessoas que marcaram uma carreira profissional recheada de trabalho. “Não deixei nunca de falar com colegas, alunos, ex-alunos... Sinto-me reconhecida pelo meu trabalho como professora, e isso é o mais importante”, confessa. “A reforma foi uma continuação da minha vida, até porque ainda me sinto professora. Não consigo sequer separar as duas coisas”.

Reconhece que hoje a Escola é diferente e sublinha que compreende os problemas que atingem os professores. No entanto, deixa um apelo à união: “na minha altura, também tivemos momentos muito complicados, mas os professores uniram-se e conseguiram ultrapassar os problemas”. E não teme que os problemas afastem as pessoas da carreira docente: “quem gosta, gosta sempre”.

 

 

DAVIDE CASTRO DIAS

Os políticos criaram uma situação constrangedora, e nessa altura sentia-me muito injustiçado

 

Aposentado após 36 anos de exercício, Davide Castro Dias fala sobre a educação e o ensino com a mesma paixão de sempre e revela que ao longo da carreira ensinou muito, mas também aprendeu muito. “Durante toda a minha carreira como professor aprendi imenso. Cometemos erros todos os dias, mas de certa forma erramos de forma construtiva, porque podemos aprender e corrigir”, explica o professor de Geologia.

No dia em que soube da aposentação, confessa, sentiu-se aliviado. “Não por deixar de ensinar, porque ser professor é a minha grande paixão e é o que sei fazer melhor, mas por causa de tudo o que existia à volta da profissão. Nomeada mente, por culpa dos constantes ataques da ministra Lurdes Rodrigues, e também de José Sócrates. Senti-me muito revoltado, porque tentaram desvalorizar a entrega diária de todos os professores e denegrir a sua imagem”.

“Ensinar, para mim, é fundamental, porque não sei fazer mais nada. Mas os políticos criaram uma situação constrangedora, e nessa altura sentia-me muito injustiçado. Por isso, de certa forma, e sublinhando que a minha vida é ensinar, foi bom ficar livre de tudo isso”.

Depois disso, este portuense de gema passou a dedicar o seu tempo à causa sindical. “Enquanto ainda leccionava, aproveitava as minhas horas livres para estar no Sindicato dos Professores do Norte, a ajudar em tudo o que podia. Depois de me reformar, comecei a dedicar-me a tempo inteiro ao sindicato, e passo lá muito tempo”. Por isso, a transição entre a vida activa e a aposentação foi “bastante tranquila”. “Continuei a sentir-me próximo dos meus colegas. E como acabei por ter sempre o tempo ocupado, acabou por ser uma mudança natural. Não foi nenhum choque, foi uma continuidade. Tracei uma espécie de linha contínua”, diz. Hoje, continua a mobilizar colegas e a tentar melhorar as condições de trabalho dos professores. “É muito animador e muito enriquecedor”.

Apesar de nos últimos anos como professor se ter sentido injustiçado com as políticas e atitudes do Governo em funções, Davide diz que ser professor ainda é aliciante e pede a todos que não abandonem a profissão. “O importante é continuar a lutar e não ir abaixo, não desistir. É uma vida sempre muito intensa e entusiasmante, por isso, há que fazer tudo para ultrapassar as dificuldades nesta altura difícil”, diz, de forma entusiasmada. E até se confessa viciado no ensino. “Ainda sou viciado na docência. Por isso, a minha opinião é claramente parcial, um viciado vai sempre defender o seu vício! Mas este é um óptimo vício”, diz, entre gargalhadas.

Concluindo, Davide Castro Dias considera que o importante é viver a profissão sempre com “muita intensidade”. “Temos que aproveitar as vivências, a aprendizagem, a vida na escola”.

 

 

MARGARIDA CAMPOS

Custa parar de dar aulas, mas os professores têm de procurar uma forma de transição

 

Margarida Campos aposentou-se depois de 40 anos de carreira, grande parte deles como professora de Filosofia. Hoje, ainda se emociona ao falar na aposentação – “ensinar sempre foi uma grande paixão, e tive essa paixão do início até ao último dia” – e confessa que os primeiros dias foram complicados: “fiquei um pouco agarrada à escola, mas acabei por aceitar melhor quando soube que ia ser avó”. Os netos passaram a ser, como seria de esperar, uma parte muito importante da sua vida, e muito do tempo que tinha livre foi passado junto dos mais jovens membros da família. Mas ainda sobrou tempo para outras actividades.

“Quando me reformei, tive mais tempo para outras coisas. O que senti que era importante era manter-me sempre com muita actividade”. E a forma de se manter activa tinha que estar directamente ligada com projectos de ensino: continua a dar aulas de apoio a alunos com dificuldades, de forma voluntária, e também ajuda alunos estrangeiros que chegam ao nosso país. “É uma forma de continuar a leccionar, que é o que me dá mais prazer. É muito gratificante, e ao mesmo tempo mantém-me per to daquela que é a minha maior paixão”, confessa. Paralelamente, está envolvida com a Associação 25 de Abril.

Na passagem à reforma, diz Margarida, o importante é não parar radicalmente. “O momento da aposentação pode ser muito difícil, especialmente para quem não tem muitos interesses fora da escola ou da vida profissional”, afirma. “Custa parar de dar aulas, mas os professores têm de procurar uma forma de transição. Fazer voluntariado, por exemplo, porque parar de um momento para o outro traz um vazio à vida”. Sublinha que sente falta da “riqueza humana” da Escola Secundária da Maia, onde leccionou durante muitos anos e onde mantém amigos.

Rejeita ver a aposentação apenas como um momento difícil. “É certo que não são dias fáceis, mas tem que ser um momento vivido como uma passagem para um resto de vida muito rico em acções”.

Para Margarida Campos, ensinar vale sempre a pena, e ser professor também, mesmo em alturas como esta, em que “tudo parece difícil”. Admite estar já um pouco afastada dos grandes problemas da Escola e compreende que muitos professores estejam desanimados, mas recorda: “Já tivemos outros tempos bem difíceis e conseguimos superar. Os bons professores fazem sempre falta, e o ensino ainda vale a pena”. E a concluir: “O importante é gostar de dar aulas, gostar do que se faz. Quando se gosta muito, torna-se tudo menos complicado”.

 

 

ROSALINA COSME

É um desperdício haver professores que ficam sem fazer nada de um momento para o outro

 

“Apesar de estar aposentada, ainda me considero professora”, começa por declarar Rosalina Cosme. “Continuo a ensinar e espero continuar até ao fim da minha vida”, acrescenta, confessando que ainda mantém uma grande ligação com antigos alunos e colegas. “Foram anos maravilhosos!”.

No momento da aposentação, a decisão mais natural foi continuar ligada à educação e ao ensino. Hoje, dá aulas a analfabetos e a sem-abrigo, porque não se consegue imaginar a fazer outra coisa e já não consegue viver sem estar a dar aulas. “Está dentro de mim”, diz, entre risos. Mas deixa também um desabafo: “É um desperdício haver professores que ficam sem fazer nada de um momento para o outro, no momento da aposentação”. Especialmente porque se perdem pessoas “com muitas competências e com grande experiência de vida”.

Professora de Português/Francês, ainda se sente “muito motivada a dar aulas”, agora de forma voluntária, numa associação, mas lamenta que não tenha sido possível concretizar um dos seus objectivos: “Quando me reformei, ofereci-me para dar aulas num hospital, a crianças e jovens internados. No entanto, após uma longa espera, acabaram por me recusar, talvez porque não perceberam bem a minha vontade”.

Os primeiros dias da aposentação, há mais de 10 anos, nem sempre foram fáceis. “Fiquei mais por casa, levantava-me cedo, mas depois não tinha nada para fazer... Percebi logo que não podia continuar assim”. E não continuou: “É óptimo haver uma grande oferta cultural, porque assim há sempre coisas para fazer. E também aproveitei para ler muito”.

Rosalina defende que é preciso encontrar estratégias para que antigos professores possam continuar a contribuir para aquilo que chama “Sociedade Escolar”. “Há vários projectos possíveis de levar a cabo dentro das escolas, em regime voluntário, mas nem sempre há grande receptividade”. A explicação pode ser simples: “Infelizmente, há imenso desemprego na classe, e isso faz com que os mais novos comecem a olhar para os mais velhos com alguma desconfiança”.

“Os professores jovens têm de ter colocação e trabalho, obviamente, e não podemos ter professores reformados a ocupar qualquer vaga nas escolas ou a fazer algo que pode ser feito por um colega. É preciso ter atenção a essa situação, mas eu acredito que é possível manter professores aposentados ligados à escola sem roubar o lugar a quem está a começar”.

A situação do ensino em Portugal preocupa Rosalina Cosme. Que, apesar de reformada, ainda conhece bem a realidade das escolas. “Os professores jovens estão fartos da indisciplina, e isso podia fazer com que existisse uma grande desmotivação”. No entanto, isso não está a levar a um decréscimo de empenho ou qualidade. “Pelo que vejo, mesmo com todas as adversidades, os professores continuam a dedicar-se de alma e coração à profissão”.

Francisco David Ferreira (entrevistas)

Teresa Couto (fotografias)


  
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