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Investimento na Educação é a arma para combater a pobreza e a exclusão

A PÁGINA visitou quatro escolas, procurando saber a opinião dos docentes sobre a pertinência do Ano Europeu do Combate à Pobreza e à Exclusão Social, que agora chega ao fim. Questionámos o que pensam, quais as respostas possíveis e até que ponto as escolas estão sensibilizadas para estes problemas.

 

 

Embora não tenha estado directamente envolvida em qualquer iniciativa do Ano Europeu de Combate à Pobreza e à Exclusão Social, Miriam Alves assegura que este é um tema que a toca de perto. Em particular, nos últimos anos, em que se tornou mais visível o aumento significativo da pobreza na sociedade portuguesa. E se, tradicionalmente, existiam grupos sociais mais vulneráveis a este fenómeno, esse paradigma alterou-se.

“Durante algum tempo ainda se podia ser seduzido pelo discurso de que as pessoas eram pobres porque queriam, porque não trabalhavam. Mas penso que ficou bem patente, nos últimos anos, que a pobreza pode atingir qualquer pessoa no momento em que ela menos espera. Os testemunhos daqueles que nunca imaginaram ter de recorrer ao Banco Alimentar contra a fome são disso um bom exemplo”. Pessoas que, embora estatisticamente não possam ser consideradas pobres, se sobreendividaram ou perderam o emprego. E para quem o Estado Social tem cada vez menor capacidade de resposta.

Neste contexto, Miriam Alves considera que em Portugal se tem vindo a perder sensibilidade face à ideia de assistencialismo – não caritativo, entenda-se. “Essa insensibilidade é tanto maior quando se reporta para cima das pessoas a culpabilização pela crise, ficando na sombra todos aqueles anos em que os bancos aliciavam os clientes com crédito para tudo e mais alguma coisa”.

Mas se esta questão a toca pela dimensão social, ele marca-a, sobretudo, por ter de lidar com as suas consequências no seu dia-a-dia, enquanto professora do 1º Ciclo. E, tal como a ela, a milhares de outros professores que não conseguem deixar de ser sensíveis a estas questões. “Apesar de podermos ter posições ideológicas diferentes, julgo que há algo comum a todos nós: termos a noção de que o insucesso escolar – que, embora não seja condição exclusiva, é um dos principais factores de exclusão social – é indissociável da pobreza”.

A certeza é menor, porém, quando se questiona sobre se os professores terão o mesmo grau de consciência relativamente ao facto de o insucesso poder “consolidar e chancelar a exclusão”. Isto, na medida em que “ter-se insucesso e ele ser reconhecido e passado em diploma por uma instituição que vem logo a seguir à família, confirma- a e marca-a de uma forma muito forte”. Mas Miriam Alves acredita que nada é impossível de ser alterado: “há sempre uma possibilidade de quebrar estes destinos. E digo isto porque conheço histórias que o confirmam”.

 

 

“A pobreza e a exclusão social não são problemas de hoje. Existiram desde sempre e não irão desaparecer de um dia para outro. Pensar que podemos erradicá-los é uma utopia”, considera Ester Henriques, “ainda que sejam postas em prática iniciativas como o Ano Europeu”. Apesar de tudo, a educadora de infância acredita que ambos podem ser atenuados – “há uma série de outros problemas, aliás, que poderiam ser atenuados se trabalhássemos em conjunto nesse sentido”.

Mas esta questão, à semelhança de outras, só parece ser encarada seriamente quando nos toca pessoalmente. “Tendemos a encarar estes problemas como algo que diz respeito apenas aos outros, quando deveriam preocupar-nos como sociedade e fazer- nos reflectir sobre a melhor forma de conseguir minimizá-los”. A nível político, “este é, sem dúvida, um dos pontos que deveria merecer uma abordagem mais séria”, diz. Mas ainda que seja um tema habitualmente presente nas campanhas eleitorais, ele é tratado de forma ligeira, talvez por não “representar qualquer ganho, mas, pelo contrário, uma despesa acrescida” para o erário público. “Acho que a nível mundial, aliás, funcionamos muito numa lógica de só investir naquilo que é rentável. E a pobreza e a exclusão social não dão lucro. Talvez por isso as coisas acabem por ficar muito aquém das expectativas dos cidadãos”.

Ao contrário do poder político, Ester Henriques considera que, de uma forma geral, a escola e os professores estão particularmente sensibilizados para estas questões. Talvez por lidarem com elas diariamente, no contexto da sua actividade. “No nosso jardim-de-infância, frequentado por crianças de todas as classes e níveis económicos, procuramos atenuar e diluir essas diferenças, não excluindo nenhum aluno. Sempre que consideramos que algum necessita de uma ajuda extra, procuramos estar atentos na medida das nossas possibilidades. Mas a escola não pode ir muito além disto”.

Neste sentido, confessa que um dos factos que mais a tem preocupado, e aos colegas, é assistir ao crescente número de pais que ficam no desemprego. “Já me tenho questionado se muitas destas crianças terão uma refeição quente por dia. Por incrível que possa parecer, nesta altura já levantamos este tipo de questões”, quando há poucos anos o assunto praticamente não se colocava. “Quando este problema nos chega às mãos, passamos, necessariamente, a estar mais atentos. A escola, dentro das suas parcas possibilidades materiais, deve procurar actuar, até porque, de contrário, o processo de ensino-aprendizagem torna-se mais difícil e o rendimento escolar diminui”.

 

 

Susana Marinho, professora do 3º Ciclo, procurou ser mais do que uma mera espectadora do Ano Europeu. Sensibilizada pela iniciativa, de que foi tendo conhecimento através de diversos meios, decidiu que este seria um bom tema para abordar na Área de Projecto. Isto, por achar que os alunos nem sempre estão sensibilizados para o tema. “Costumam pensar que tudo na vida é fácil de obter. Mesmo para aqueles que são oriundos de um meio familiar mais desfavorecido, as coisas acabam por aparecer, e por isso não reflectem muito sobre o tema da pobreza”.

Quanto às actividades do Ano Europeu, propriamente dito, Susana Marinho considera que só agora, perto do fim do ano, começaram a ter alguma notoriedade. o que a leva a pensar que a iniciativa não terá sido tão amplamente divulgada quanto o possível. “Muitas pessoas desconhecem por completo o que foi o Ano Europeu e quando tomam conhecimento dele podem ser levadas a pensar que não passou de mais um acontecimento para marcar a agenda política”.

“Não sei de que forma decorreu noutros países, mas penso que em Portugal não terá sido muito estruturado”. E para confirmar a sua afirmação, diz que basta consultar a Internet: “muitas actividades e inúmeras conferências, mas que não parecem estar dirigidas ao cidadão comum, antes àqueles que estão directamente envolvidos com este tipo trabalho”. A mesma falta de estruturação que associa ao facto de em Portugal a luta contra a pobreza e a exclusão social ter tido, até hoje, um carácter sobretudo assistencialista. “Fala-se muito dos apoios sociais, e eles são importantes, mas por trás desses apoios deveria apostar-se em dar às pessoas as ferramentas para elas próprias conseguirem evoluir”. O microcrédito é uma das ferramentas que aponta como exemplo, “uma excelente forma de cada um poder começar o seu próprio negócio”. Porém, na sua opinião, esta iniciativa está ainda pouco divulgada, e devia sê-lo, tanto mais quando se sabe que através dela “muitos indivíduos e famílias conseguem inverter a situação em que se encontram”.

No que se refere aos professores, considera que a sensibilização para esta questão se deverá, sobretudo, ao facto de as escolas espelharem as misérias e dificuldades das famílias. “Cada vez aparecem mais situações de alunos cujas famílias passam dificuldades. E as cantinas são um bom exemplo disso, porque há um número crescente de alunos a frequentá-las. Para muitos, esta será mesmo a única refeição quente do dia. A escola vai procurando responder da melhor forma que pode, mas intervir mais directamente é difícil”, conclui Susana Marinho.

 

 

Apesar de se recordar das notícias que deram conta do Ano Europeu, Manuela Pinto não seguiu de perto as actividades associadas. Por um lado, porque talvez não tenham sido convenientemente divulgadas; por outro, porque houve aspectos que as relegaram para segundo plano: a crise económica, a crise política, a anulação de algumas medidas de protecção social e o próprio facto de o aumento da pobreza em Portugal ter sido uma notícia recorrente ao longo de 2010. Um conjunto de factores que, na opinião desta professora/directora, acabaram por “obscurecer aquilo que era suposto ter sido uma efeméride internacional”. De uma coisa, porém, os portugueses apercebem-se bem – que “o fosso entre os mais ricos e os mais pobres aumenta de forma crescente e que não será propriamente por iniciativas específicas como esta que as pessoas irão dar conta disso, mas, sobretudo, pelas notícias”.

À semelhança das outras professoras ouvidas pela PÁGINA, Manuela Pinto acredita que em Portugal a política de combate à pobreza tem tido um carácter eminentemente assistencialista. Mas a melhor forma de combater a pobreza e a exclusão é “através da educação e do investimento, e não dos subsídios”, já que estes se limitam a remendar a situação e não actuam sobre a causa. Para isso, é fundamental “criar mecanismos que proporcionem uma melhor distribuição da riqueza, a par de estruturas económicas diferentes das actuais, que levem o país a produzir”.

Com as dificuldades económicas, considera Manuela Pinto, surge o estigma associado ao reconhecimento da pobreza. E aqueles a quem se pode denominar de “novos pobres” têm muita dificuldade em reconhecê-lo. “Até porque muitos deles chegaram a esta situação depois de viverem situações bem mais confortáveis. E muitos estarão tão desorientados que, provavelmente, nem sabem a quem hão-de recorrer para encontrar ajuda”.

Quanto aos professores, têm necessariamente de estar sensibilizados para a situação. “Desde o ano passado, no nosso agrupamento, e apesar de sempre termos tido muito cuidado relativamente à situação de alguns alunos, redobramos a atenção. Porque nos apercebemos que, para muitos, a única refeição que fazem durante o dia é na cantina. E muitas vezes temos de fazer uma ginástica financeira acrescida para assegurar o almoço e o lanche a alunos que não têm ainda o processo regularizado, mas que vivem situações muito complicadas”. Nestes casos, “as escolas trabalham sem rede, porque mexem com subsídios atribuídos para alunos que estão comprovadamente nessa situação”, explica Manuela Pinto, para concluir: “Isto não deveria acontecer em nenhum país do mundo, mas num país europeu, onde supostamente existem sistemas de protecção social mais evoluídos, e onde a justiça social é supostamente mais equilibrada, é um péssimo sinal. Extremamente preocupante”.

Ricardo Jorge Costa (texto)

Teresa Couto (fotografia)


  
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