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Mobilizar o coletivo é um grande desafio

[Entrevista realizada no âmbito de uma tertúlia de professores promovida pela PÁGINA – reportagem ‘Olhares sobre a Profissão’]

Nos processos que lhe passam pelas mãos, reconhece situações de cansaço e envelhecimento da profissão docente?

A minha amostra é muito feita a partir dos professores do Ensino Superior e, de facto, o que eu sinto é que há um grande desgaste. A minha experiência acaba por ser um pouco a experiência dos professores já com bastantes anos de carreira e, às vezes, com problemas de desenvolvimento da carreira e de concursos associados à carreira. E depois, os professores mais novos, que estão ainda numa situação não definida, muito precária. Portanto, as amostras acabam por ser um pouco nestes dois extremos. O que noto, de facto, é a existência de uma profissão com grande desgaste, com uma elevada medida de desgaste. Porque há grandes constrangimentos e bloqueamentos do ponto de vista dos concursos e do desenvolvimento das carreiras e, enfim, porque se calhar há muitas coisas indefinidas do ponto de vista das instituições, da sua organização e funcionamento.

A inquietação relativamente às condições de trabalho também é causa de desgaste?

Sim. As condições de trabalho estão muito associadas às condições de funcionamento, isto é, ao modo como as instituições funcionam e como organizam o trabalho dos docentes e se organizam internamente. Julgo que isso é naturalmente indutor de grande desgaste. E depois há também a questão de que, eu acho, hoje se sente que falta alguma transparência na maneira como as instituições funcionam, e esse défice no exercício da transparência interna é só por si motivo de grande inquietação.

Então, as lideranças também são...

São um ponto crítico. Isto depende, naturalmente, de modelos legais e de normativos, mas depois também depende de exercícios concretos de liderança. E, portanto, se não construirmos modelos de acompanhamento e de controlo dessas lideranças, naturalmente, depois corremos o risco de haver uma realidade divergente entre o que está normativizado e previsto do ponto de vista legal e aquilo que, efetivamente, se passa.

Diria que o coletivo docente está fortalecido ou desgastado?

Penso que os tempos estão difíceis e acho que mobilizar o coletivo é um grande desafio para o futuro, embora ache sempre que não é possível fazer uma leitura linear. Em termos não exclusivamente docentes, a forma como a prestação do trabalho e a prestação da atividade laboral, profissional, se tem vindo a desenvolver, os paradigmas em que ela assenta e as transformações desses paradigmas vão no sentido de dificultar a organização do coletivo, na medida em que estimulam formas muito individuais e muito atomizadas de prestação de atividade. Agora, eu acho que, apesar de tudo, nesse universo, os professores são, não diria uma zona de exceção, mas uma zona que mantém algumas condições de organização do coletivo. E acho, até, que algumas vivências recentes vão no sentido da existência de condições de renovar, de reforçar e de retomar a questão da organização do coletivo profissional. Mas isso depende, também, muito daquilo que é o papel dos sindicatos e a maneira como eles vão repensando a sua existência e participação. Embora a esse nível o contexto não seja favorável, acho que há alguns sinais de esperança para que esse desafio possa ser bem encarado.

Quais lhe parecem ser os grandes desafios em termos de condição docente?

Penso que é, claramente, conseguir manter ou reconstruir algum tecido de organização coletiva da profissão, que tem tido condições de se afirmar bastante difíceis. Depois, e aqui falo muito a partir da minha experiência junto do Ensino Superior, acho que há questões críticas que têm a ver justamente com a organização das instituições e das carreiras docentes e com as condições do exercício da atividade. No fundo, o que acho importante é garantir, e ter isso vivo, que as carreiras tenham horizonte. A dificuldade, hoje, está em conferir esse horizonte e permitir às pessoas pensarem na sua atividade como uma atividade que tem essa linha de horizonte. O que é necessário para isso, quer do ponto de vista institucional, quer do ponto de vista das carreiras, são os desafios essenciais.


  
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