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Precisamos de professores mais e melhor formados

[Entrevista realizada no âmbito de uma tertúlia de professores promovida pela PÁGINA – reportagem ‘Olhares sobre a Profissão’]

Um dos tópicos referidos na tertúlia de professores promovida pela PÁGINA foi o envelhecimento da classe docente e a necessidade de rejuvenescimento geracional. Sente o mesmo?

Acho que todas as profissões são iguais, envelhecem. O tempo passa e dá-nos a oportunidade de sermos mais e seguramente melhores. Uma compreensão da vida pessoal, cultural e social, e também da vida profissional, que afortunadamente só pode ser dada pelo tempo, por esse tempo que contabilizamos em anos e que são anos de experiência, de vivências e de convivências. Nesse sentido, é igual a todas as profissões que são construções sociais; as profissões educativas vão acrescentando o seu tempo vital, o seu tempo social e coletivo. Contudo, há neste reconhecimento um certo sentido paradoxal, que é que a educação tanto se fixa no passado, como também nos dá muito em perspetiva de futuro. De tal modo que os professores, e eu sempre utilizo a palavra paternidade ou maternidade, são os que nessa grande família que constitui o corpo docente serão também a oportunidade da renovação. Este é um elemento a que há que dar valor. E tem dois percursos a seu favor: por um lado, a formação inicial, que é uma das primeiras oportunidades que nos damos para que as vocações docentes se acabem concretizando em profissões docentes e, por outro lado, a formação no próprio desempenho profissional que é sempre uma oportunidade de inovar, uma oportunidade de renovar-se, acompanhando os processos de mudança social.

Portanto, a formação tem um papel essencial.

Claro. Eu diria que a responsabilidade e o compromisso docente se renovam, no plano individual e também no plano social. Os professores fazem como que duas viagens complementares no seu desempenho profissional: por um lado, fazem-se a si mesmos, procurando ser mais e melhores pessoas – e a formação inicial deve contribuir para que assim seja – e, por outro lado, uma viagem para o exterior, uma viagem à sociedade. São duas viagens bonitas, especialmente sugestivas, porque ao mesmo tempo que se forma e se constrói a si mesmo, o professor está a dar a outros a possibilidade de uma vida mais cheia, de uma vida melhor.

Sente as inquietações dos professores?

Sim, porque sempre temos a expectativa de uma educação melhor e estamos sempre convocados a ser participantes de tudo o que representa construir essa melhor educação. No fundo, a dar maior qualidade àquilo que a educação pode fazer, seja nas escolas ou seja noutros contextos sociais. Quando as adversidades sociais são dadas por uma redução dos recursos económicos e por uma menorização da vocação pública das políticas, os professores sofrem a frustração de não poder concretizar o seu projeto profissional e também de vida. Isto a que temos vindo a chamar de crise tem afetado a educação e tudo o que tem uma vocação pública. E quando mais precisávamos de contributos da sociedade para a educação, vieram justamente os cortes. E têm sido especialmente prejudiciais para as profissões com um sentido mais social, mais cultural e mais público.

É aqui que o coletivo ganha importância?

O coletivo deveria ter ganhado importância, mas temo que as circunstâncias sociais estão a convidar muito mais ao individualismo, a uma espécie de salve-se quem puder, a uma lógica de todos contra todos. No fundo, esse é o modelo neoliberal, capitalista, da competitividade, que nos prefere desagregados, inclusive egoístas, quando a profissão docente é, por natureza, solidária e cooperativa. A UNESCO, no seu último relatório, identificava a educação como um património, como um bem comum de toda a humanidade, apelando a que, através dela, nos construíssemos humanamente, porque muitos nos estávamos a esquecer do que isso significa. Lamentavelmente, quando dizemos que há uma perda do sentido coletivo, isto quer dizer que há uma perda da mobilização social, uma perda do agrupamento sindical, que não é só a defesa daquilo que os professores querem em relação ao seu posto de trabalho – é uma perda que diz respeito ao que o seu posto de trabalho significa para a sociedade.

Quais são os desafios para o futuro da condição docente?

Eu acho que temos um desafio que é permanente e que vem de muito longe: precisamos de professores mais e melhor formados. Portanto, temos de assumir o desafio, nas universidades ou nas escolas superiores de educação, de que a educação tem de ser mais transversal, mais interdisciplinar, tem de incidir muito nas condições sociais da profissão, para que realmente tenha um compromisso com a sociedade, no plano ético, sem que isto contradiga a necessidade de os saberes, os conhecimentos, continuarem a desenvolver-se, acompanhando o progresso no mundo das ciências, dos conhecimentos e das tecnologias. Acho que há também, desde logo, o desafio que é assumir com plena condição o que significa ser um profissional crítico e reflexivo, um profissional que em primeiro exige a si mesmo. Os educadores em geral têm no seu interior uma identidade que os diferencia de quase todos os demais profissionais. E sendo eles mesmos cidadãos, têm o enorme desafio de formar outros na cidadania, o que requer ética, ética cívica, ética pública e um inescusável olhar face a si mesmos naquilo que são as suas práticas, para que a partir delas e com outros – porque é uma profissão feita com outros – se possa desenvolver com grande amplitude de visões. Na medida em que entendam isto, creio que não só estarão a dar resposta ao que a sociedade lhes pede, como ao que eles mesmos devem pedir como profissionais que aspiram ao melhor.

Há que ter esperança no futuro?

Não imagino a desesperança em nenhum professor. Se isso acontecer, ele deve pensar, e pensar com profundidade, se tem sentido continuar como professor. Há esperança, portanto. É uma das palavras que incluo nas situações mais difíceis e deve estar sempre no horizonte de cada pessoa. A esperança é a última coisa a perder, e isto deveria estar sempre na agenda dos professores.


  
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