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Ora diga lá… Manuela Mendonça

Pela primeira vez, o órgão máximo da Internacional da Educação (IE) tem participação portuguesa. Durante o 7o Congresso Mundial da organização, que decorreu em julho, em Otava, Manuela Mendonça foi eleita para o Comité Executivo Mundial, com uma significativa votação que reflete o prestígio internacionalmente reconhecido à Federação Nacional dos Professores (Fenprof). Manuela Mendonça é professora do Ensino Secundário, coordenadora do Sindicato dos Professores do Norte e membro do Secretariado Nacional da Fenprof e do Comité Sindical Europeu de Educação. Num curto depoimento à PÁGINA, fala da IE, das prioridades da sua intervenção, da Agenda 2030 para o desenvolvimento e da defesa da educação pública.

 

Qual a importância desta eleição para os professores portugueses? E a título pessoal?

A IE tem vindo a afirmar-se como a voz da educação sempre que se discutem as políticas educativas à escala internacional, junto da UNESCO, da OIT, da OCDE, do Banco Mundial ou de quaisquer outros organismos mundiais ou regionais. Se tivermos em conta a atual dimensão da IE (mais de 400 organizações, de 170 países e territórios), é compreensível que a eleição dos órgãos dirigentes adquira grande importância e, neste contexto, o facto de a Fenprof ter assento no Comité Executivo Mundial – que tem apenas 26 membros – não pode deixar de ser valorizado, pelo que representa do reconhecimento internacional da Fenprof e do projeto sindical que corporiza. No plano pessoal, não lhe atribuo uma importância particular. Para mim, é essencialmente mais uma responsabilidade, que surge como extensão do trabalho que tenho vindo a desenvolver no departamento de relações internacionais da Fenprof, particularmente no âmbito do Comité Sindical Europeu de Educação – estrutura regional da IE, cujo Comité Executivo também integro neste momento, em representação das organizações portuguesas.

 

Esta eleição é, portanto, o reconhecimento do trabalho desenvolvido pela Fenprof nos últimos anos?

Não apenas nos últimos anos. A Fenprof sempre assumiu o internacionalismo como conceção ideológica-sindical e opção organizativa e, nesse sentido, tem desenvolvido trabalho em várias vertentes. Por exemplo: em 2001, a Fenprof impulsionou a criação da Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa-Sindical de Educação (CPLP-SE), estrutura que reúne sindicatos africanos, brasileiros e timorenses em torno de valores e de objetivos comuns, assumindo-se como um importante espaço de solidariedade e cooperação, nomeadamente na formação de professores. Esta eleição só foi possível com o apoio de um número muito significativo de organizações de várias regiões, com as quais nos relacionamos há muitos anos, a começar naturalmente pela Europa, que é o nosso espaço principal da ação.

 

Nesta altura, quais são as principais preocupações da IE?

Destaco duas: a concretização da Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável e a campanha contra a privatização e comercialização da educação, que está em curso. Em setembro, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou dezassete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) a alcançar até 2030, incluindo assegurar uma educação inclusiva e equitativa de qualidade e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos. Para este objetivo foram identificadas dez metas, uma das quais visa garantir a todos uma educação primária e secundária gratuitas. A inclusão da educação não estava inicialmente prevista. Mas nos últimos três anos, no âmbito da campanha Unidos por uma Educação de Qualidade, a IE organizou e participou em numerosos eventos, chamando a atenção para três questões: a educação pública de qualidade é um dos pilares fundamentais de uma sociedade justa e equitativa; a privatização mina a educação pública e é prejudicial aos interesses da sociedade; a educação gratuita para todos tem de ser central em qualquer estratégia de desenvolvimento global pós-2015. O balanço do processo, culminando com a adoção da Agenda 2030, é positivo. Aliás, pode dizer-se que a IE, trabalhando de perto com outras organizações, acabou por atingir a maioria dos seus objetivos: a educação aparece como objetivo específico e como prioridade explícita sob vários outros objetivos; é assumido o compromisso de garantir uma educação primária e secundária gratuita e de qualidade, mas também há referências à educação infantil, vocacional e de adultos, assim como à literacia e numeracia para jovens e adultos; a qualidade e equidade são enfatizadas ao longo das metas e há metas referentes a professores qualificados e a ambientes de aprendizagem seguros, não violentos e sensíveis às questões de género…

 

Aparentemente, bons augúrios para a Educação…

Mas esta Agenda falha em duas questões cruciais. Em primeiro lugar, não há compromissos claros dos Estados-membros sobre o seu financiamento, e os esforços da IE para resguardar os serviços públicos da participação do setor privado não foram bem-sucedidos – a maioria dos Estados-membros vê o financiamento privado como condição para a sua implementação. Em segundo lugar, a estrutura de responsabilização é muito débil: o sistema de acompanhamento e de avaliação são voluntários e é suposto que os Estados-membros estabeleçam prioridades entre os objetivos e as metas, em vez de se comprometerem com a sua completa implementação.

 

Quais são, então, as prioridades da IE face à Agenda 2030?

Agora que a agenda foi adotada, a prioridade da IE vira-se para o seu financiamento, implementação e monitorização, garantindo que os professores continuam a intervir no processo e que os governos são responsabilizados durante o período de implementação. Como disse, ainda não há compromissos sobre financiamento e há certamente muito a fazer para o garantir e para que sejam tomadas medidas para regular a participação do setor privado na educação. Nesta fase, o primeiro passo é definir os indicadores de monitorização. É fundamental que os sindicatos da educação trabalhem para influenciar os indicadores nacionais, regionais, globais e temáticos, de forma a assegurar que incidem sobre toda a agenda da educação. A IE propõe-se elaborar materiais de apoio para apoiar os sindicatos membros neste trabalho e continuar a organizar workshops sobre o envolvimento estratégico na Educação 2030.

 

A lógica de mercado e a privatização são um fenómeno crescente, de dimensão internacional. Como está a ser tratada esta tendência pela IE?

A primeira resolução aprovada no congresso de Otava foi justamente sobre isso, mandatando o Comité Executivo para reunir e disseminar provas da participação de privados na promoção e implementação de políticas e práticas de comercialização e privatização. Desenvolver uma resposta global para garantir que os governos cumprem a obrigação de promover educação pública gratuita e de qualidade e contrariam a influência de atores privados na educação; lançar uma campanha, envolvendo os sindicatos filiados e outras organizações, para responder à crescente externalização de serviços e atividades da educação; reforçar a capacidade das organizações para defenderem a educação pública de lógicas de mercantilização e para mobilizarem campanhas eficazes que consciencializem os decisores políticos, as organizações internacionais e outros atores das consequências nefastas da privatização da educação – são outros mandatos da resolução. Foi ainda decidido criar um Grupo de Trabalho específico para acompanhar este trabalho e para orientar, informar e incentivar as organizações-membros a envolverem-se e a mobilizarem os seus associados, e outros parceiros da comunidade educativa e da sociedade, numa campanha em defesa da educação pública e contra as tentativas de comercializar e privatizar a educação.

 

Que outras frentes de trabalho lhe parecem relevantes?

As prioridades de ação da IE para os próximos quatro anos foram definidas no 7º Congresso e são todas relevantes. É relevante lutar por um financiamento da educação adequado e de longo prazo e proteger os sistemas de educação públicos e os direitos dos profissionais da educação e dos alunos dos efeitos negativos das crises políticas e económicas, de acordos comerciais e de investimento e de políticas impostas por instituições financeiras internacionais. É relevante promover o estatuto dos docentes, dos investigadores e dos trabalhadores não docentes, melhorar as suas condições de trabalho e combater tendências de desprofissionalização. É relevante enfrentar ataques a sindicatos da educação e aos seus membros, especialmente no que respeita à liberdade de associação, à negociação coletiva e às liberdades profissionais. É relevante desafiar a erosão dos valores democráticos e sociais e lutar contra a desigualdade de género, a intolerância racial e a xenofobia através da promoção dos direitos humanos, da igualdade e dos direitos sindicais. E, naturalmente, é relevante reforçar e mobilizar a própria IE e as suas organizações para responderem a esses desafios.

 

PRIVATIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO

“Nesta frente há muito trabalho em curso: criação de um grupo de ‘países-alvo’ de estudo e acompanhamento específico; participação em debates e conferências promovidos quer por sindicatos, quer por organizações da sociedade; investigação estratégica sobre as corporações que atuam na área da educação, suas operações de negócio e esquemas de minimização de impostos… Um estudo de caso recentemente divulgado analisa a situação nas Filipinas, onde o governo tem vindo a terceirizar o setor de educação para empresas privadas, que depois (re)vendem os seus serviços aos alunos mais desfavorecidos – as propinas cobradas representam cerca de 40% dos rendimentos da população pobre. Num contexto de crescimento exponencial de escolas secundárias privadas, as chamadas low cost, com fins lucrativos, financiadas pelo potentado económico Pearson, reforçam a sua presença no mercado. Com o apoio do dinheiro dos contribuintes, produzem mão de obra barata para uma quantidade de empresas presentes no território filipino e empregam professores sem formação, com poucos direitos e baixos salários.”
[Para mais informação sobre este assunto, recomenda-se a leitura do relatório “Pearson and PALF. The Mutating Giant”, de Carolina Jünemann e Stephen Ball]

 

INTERNACIONAL DA EDUCAÇÃO

A Internacional da Educação (IE) é a maior federação de sindicatos mundial, representando mais de 30 milhões de profissionais, filiados em cerca de 400 organizações de 170 países e territórios. A defesa dos interesses e direitos dos professores e de outros trabalhadores do setor, a promoção de uma Educação de qualidade para todos, bem como a solidariedade e a cooperação entre as organizações-membros, são alguns dos principais objetivos da IE. Criada em 1993, tem vindo a afirmar-se como ‘a voz’ da Educação quando são discutidas políticas educativas à escala internacional, seja junto da UNESCO, da OIT, da OCDE, do Banco Mundial ou de outros organismos mundiais ou regionais. É presidida pela australiana Susan Hopgood, tendo como secretário-geral o holandês Fred Van Leeuwen. O Comité Executivo é composto por 26 membros, sendo Manuela Mendonça a única e primeira representante portuguesa.

Maria João Leite e António Baldaia (entrevista)

Henrique Borges (fotografia)


  
Ficha do Artigo

 
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