O ‘achamento’ do Algarve pelo Professor José Carlos Vilhena Mesquita (Vila Nova de Famalicão, 1955) tem por detrás uma história de amor que culminou na fundação de uma família, numa carreira docente na Universidade do Algarve e na surpreendente odisseia de um minhoto cuja insaciável curiosidade intelectual abriu amplos caminhos a uma importante fusão de passado e presente na província mais a sul da nossa plataforma europeia. Sob a entusiástica chefia deste nortenho admirador dos litorais de deslumbrante recorte geológico e das tépidas noites estivais tão procuradas por gentes vindas de toda a parte, foi criada uma ponte interregional de indiscutível utilidade. Integrou-se ele, sem problemas de adaptação, numa comunidade metamórfica (Lídia Jorge dá muito bem esse fenómeno de mutação no romance «O Cais das Merendas», ao salientar o choque de mentalidades na passagem do Algarve rural ao Algarve cosmopolita), vindo a encarar, a sul, um novo desafio existencial. Não há época ou acontecimento da vida nacional, na sua conexão algarvia, que a mente perscrutadora (e escrutinadora) de Vilhena Mesquita não tenha retido para reflexão e suporte de trabalho. Mário Lyster Franco (1902-1984), que em «Algarviana - Subsídios para uma Bibliografia do Algarve e dos Autores Algarvios» acolheu dezenas e dezenas de autores, centenas de testemunhos de incomparável valia iconográfica, literária e sociológica, teve em Vilhena Mesquita um continuador, que alargou muitos dos horizontes históricos herdados, mercê de novos conceitos e enfoques. No livro «Confidências e Revelações de Mário Lyster Franco» é nítida a influência da lição do velho Mestre na fecunda oficina do sucessor em prol de um maior conhecimento da História do Algarve e das elites e classes obreiras que para a sua importância contribuíram, além de se vislumbrar nessa cumplicidade mais uma das ponderosas razões para Vilhena Mesquita se sentir “algarvio”.
Convém recordar: as grandes convulsões registadas no país ao longo da História, cujos epicentros estiveram diversas vezes em Lisboa e no Porto, repercutiam fundamente, no Algarve, os distúrbios devastadores e de aí a pertinência de uma reavaliação da participação algarvia na resistência ao invasor francês, da presença de algarvios na batalha de Aljubarrota, devidamente notificada por Fernão Lopes na crónica de D. João I, na narração das ações do ‘Remexido’, terrível guerrilheiro às ordens de D. Miguel, na guerra civil que opôs liberais e miguelistas, cuja dedicação ao “rei legítimo” redundou em tragédia pessoal cujos altos e baixos JCVM escrupulosamente recupera e identifica. Não se ficou por aqui o historiador: «O Marquês de Pombal e o Algarve», «História da Imprensa do Algarve» e «O Algarve nos primórdios da Academia Real de História Portuguesa», destacam-se de entre uma vintena de livros publicados. Noutra vertente, o Mestre famalicense ocupa-se da história do Teatro Lethes (um ícone da capital do Algarve) ou investiga denodadamente a origem do rumor de que o grande escritor Aquilino Ribeiro teria publicado o primeiro texto literário num jornal de Olhão, sob pseudónimo, o que confirmou após árdua pesquisa na Torre do Tombo. Por outro lado, divulga, na Internet, as histórias dos bispos do Algarve, denso e copioso acervo que constitui um imenso potencial de pesquisa à espera de teses universitárias. dada a interligação do clero com as populações, mormente às que se dedicam à faina marítima, mais propensas ao misticismo religioso por força da própria índole dos imponderáveis da profissão. Realce também para o portal Algarve Primeiro, no qual o cibernauta poderá encontrar um elucidativo currículo de Vilhena Mesquita.
As pescas remetem para outro domínio temático, de linhagem antropológica, privilegiado por JCVM. Os estudos que nesta matéria levou a cabo são mergulhos em águas profundas. As campanhas do bacalhau, do atum e da baleia chamam dramaticamente a atenção para a rarefação das espécies e o desaparecimento de certas artes da faina pesqueira. Já não há frota bacalhoeira (o bacalhau compra-se por atacado à Noruega); à baleia, em vias de extinção, protegem-na tratados internacionais; e o atum está praticamente desaparecido da nossa costa. O apogeu e sobretudo o declínio das indústrias ligadas à pesca, designadamente a conserveira, têm como contraponto as opções urbanísticas e turísticas que vieram revolucionar a economia do Algarve. O aperfeiçoamento dos meios de comunicação, com o estabelecimento do eixo rodoviário Viana do Castelo-Vila Real de Santo António e a ligação ferroviária Guimarães-Faro, diminuíram as carências da província meridional em matéria de transportes, revitalizando os fluxos demográficos internos; a criação da Universidade do Algarve constituiu outro grande salto em frente que ajudou a libertar a região do subdesenvolvimento pelo acesso à cultura e ao saber. Vilhena Mesquita foi testemunha e artífice desta assinalável fase de transformações. Amante da Literatura e das Artes não raro apresenta livros evidenciando dotes notáveis de crítico literário, sendo, como é, leitor apaixonado de romances e de poesia. Fundador e presidente da Associação de Jornalistas e Escritores do Algarve, bem como da revista que lhe esteve associada (Stylus), mantém na Internet dois blogues de grande importância cultural: Promontório da Memória e Algarve - História e Cultura, repositório de informações sobre a província, que retrata bem o que anda este minhoto a fazer, com amor, no (e pelo) Algarve.
Júlio Conrado
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