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A nova onda neoliberal na educação superior brasileira

A realidade atual do Brasil volta a mostrar que continua longe de poder ser cumprido o apelo de Anísio Teixeira e de outros intelectuais brasileiros, nos idos de 1930, em defesa da escola pública e da educação como condição de não privilégio.

No Brasil, o governo provisório de Michel Temer impôs a radicalização da onda neoliberal, traduzida num novo frenesi das políticas de privatização que mira agora as universidades públicas da rede federal. Sob a argumentação de que o Estado sustenta uma condição supostamente anacrónica, os decisores políticos dominantes aliam-se aos imperativos da globalização económica e desconsideram os alertas de vários e importantes setores críticos da sociedade brasileira que têm chamado a atenção para o agravamento social que decorrerá inevitavelmente da expansão da privatização do ensino superior.
Recentemente, uma fonte ligada a uma importante instância institucional da educação brasileira sustentou a defesa da privatização com base em realidades do ensino superior de países europeus, entre os quais citou Portugal. Embora, neste caso, o suposto paralelismo seja entre dois países em posição semiperiférica no sistema mundial capitalista (Brasil e Portugal), a afirmação pareceu desconhecer as especificidades entre os sistemas educacionais.
A educação pública no Brasil, da escola de base ao ensino superior, propicia, em certas circunstâncias, a criação de guetos sociais e educacionais que se naturalizaram diante de uma sociedade estruturalmente desigual. Tem havido, todavia, em lapsos de tempo facilmente identificáveis, alguns saltos de democratização com maior justiça social, como o verificado no modelo neodesenvolvimentista dos governos petistas de Lula da Silva e Dilma Rousseff (janeiro de 2003 a agosto de 2016), em que a criação de novas universidades públicas e a instituição de política de cotas ampliaram o acesso para grupos sociais menos favorecidos. Porém, a correlação de forças político-ideológicas e o imã do atraso estrutural logo interpuseram a sua força no caminho do avanço democrático, fazendo com que as desigualdades retornassem.

Lição não aprendida. Quando a educação pública não é apropriada como direito de todos e dever do Estado ela resulta em apartheids educacionais. A realidade atual do Brasil volta a mostrar que continua longe de poder ser cumprido o apelo de Anísio Teixeira e de outros intelectuais brasileiros que, nos idos de 1930, protagonizaram um movimento em defesa da escola pública e da educação como condição de não privilégio. O que se processou foi, antes, uma democratização no acesso à escolarização básica em concomitância com uma privatização socialmente seletiva e discriminatória.
O resultado desse duplo percurso foi devastador para a qualidade do ensino na escola pública. A classe média brasileira, sem crítica e resistência, retirou os filhos da escola pública, migrando-os para a rede privada, convencida de que ali estava o oásis da qualidade do ensino. Dessa forma, eximiu-se de pressionar o Estado da sua prerrogativa constitucional de ofertar uma educação de qualidade, contribuindo assim, de algum modo, para transferir a dualidade social para a Escola, intensificando o processo de desprestígio do ensino público e o apartheid escolar entre alunos pobres e ricos. O alerta de alguns setores sociais progressistas e dos intelectuais brasileiros atrás referenciados ressoa como uma lição não aprendida pela elite dirigente, que se porta como filial dos interesses globais e neocoloniais para os novos nichos a explorar pelo capitalismo neoliberal.
Como afirmamos de início, a analogia com Portugal demanda cuidados em razão das singularidades sociais e educacionais. Muito embora neste país, há já bastante tempo, o ensino superior público exija o pagamento de propinas (anuidades) à maioria dos estudantes, o acesso ainda se revela mais democrático, uma vez que as famílias portuguesas de classe média mantêm seus filhos nas escolas públicas e exigem delas qualidade no ensino. Nesse paralelo, a situação real da escola básica classista brasileira serve de alerta sobre os riscos de aumento de desigualdades com a privatização da escola básica.
Por outro lado, a onda privatista sobre o ensino superior português, a partir de finais dos anos oitenta, diversificou a oferta e a procura e, em alguns casos, não atendeu apenas a demandas seletivas de alguns grupos sociais. Tendo em conta o avanço do neoliberalismo e a sua concretização em diferentes contextos nacionais de formação superior, a privatização em Portugal avança também, mas ainda guarda diferenças e especificidades em relação ao Brasil. Neste último caso, a privatização ameaça chegar com força às universidades públicas e gratuitas e fazer o que não conseguiu na década de 1990, acentuando ainda mais os privilégios e as desigualdades existentes.

Rovênia Amorim Borges


  
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