É hoje indiscutível o lugar de excelência que a educação artística devia ocupar no processo de desenvolvimento das condições de aprendizagem e formação da população escolar, designadamente a do nosso Ensino Básico.
O papel que vem sendo reconhecido pela investigação contemporânea à importância do campo emocional na estruturação da personalidade, no contexto dos processos de aprendizagem, atesta indisfarçavelmente a relação de dependência em que estes processos de aprendizagem se encontram face às condições de equilíbrio emocional e de estabilidade socioafetiva de quem aprende. A experiência artística como oportunidade de dar expressão às vivências pessoais e de as comunicar a quem, confiantemente, as pode reconhecer, constitui sem dúvida a melhor via para assegurar as aprendizagens globais. Nada mais eloquente a esse respeito que as palavras de António Damásio e Hanna Damásio: “As artes constituem uma disciplina ímpar nos curricula educativos para a promoção das dimensões emocional, ética e moral do desenvolvimento humano” Brain, Art and Education, conferência em Lisboa, 2006). Esta ideia foi claramente reforçada pelo então diretor-geral da UNESCO, Koïchiro Matsuura, na sessão de encerramento da Conferência Mundial sobre Educação Artística: desenvolver as capacidades criativas para o século XXI (Lisboa, 2006): “num mundo confrontado com novos problemas à escala planetária, [...] a criatividade, a imaginação e a capacidade de adaptação, competências que se desenvolvem através da Educação Artística, são tão importantes como as competências tecnológicas e científicas necessárias para a resolução desses problemas”. Se das altas instâncias reivindicativas que proclamam a excelência educativa descermos ao plano quotidiano onde se processa a educação artística, a realidade mostra-no-la francamente fragilizada. Como se passará da fragilidade curricular ao protagonismo possível? A questão é que esta fragilidade não se combaterá com medidas burocráticas ou voluntaristas, por mais solenes que elas se apresentem, mas a partir de propostas de ação cientificamente enformadas e profissionalmente assumidas, por onde possa reconhecer-se, em concreto, que à área da educação artística está reservada uma importantíssima missão de preservar as melhores condições de desenvolvimento da infância e da adolescência no mundo contemporâneo.
Centralidade dos professores. De facto, não se vê outra área como a da educação artística que possa desenvolver e realizar hoje a pedagogia do ser, no sentido de operar a síntese entre a pessoa (antes do aluno) e a escola, já que na arte é possível exprimirem-se orgânica e dinamicamente as dimensões essenciais do ser humano: o sentir, o pensar, o imaginar e o agir. Esta síntese de vida na escola precisará de ter sentido educativo, o que não pode ocorrer se a experiência pessoal das crianças e dos jovens não for preservada na sua singularidade existencial, não obstante a intensa socialização massificada a que estão sujeitas as suas vidas, hoje, na escola. Aqui torna-se central a qualidade profissional dos professores, não apenas técnica e científica, mas especialmente humana, no sentido de promover a relação comunicacional capaz de exercer o reconhecimento mútuo entre o professor e o aluno. Os investigadores, sobretudo os de inspiração psicanalítica, assinalam no processo de formação e de aprendizagem a importância do estabelecimento de relações significativas entre professores e alunos de que resulte para estes, a criação de mundos ou figuras de referência com quem se identifiquem, de quem esperem reconhecimento e a quem reconheçam autoridade. Autoridade, sim, e não poder. A autoridade, como é sabido, é uma construção intersubjetiva, em que a ação (pela palavra) do ‘autor’ sobre o ‘agido’ é reconhecida por este como benéfica para ele próprio, na medida em que o ajuda a fazer aquilo que sozinho ainda não é capaz de fazer, mas fará mais cedo e melhor quando acompanhado. Esse é o princípio da identificação com alguém que está para além do professor, em quem se descobre a pessoa que se deseja ser, e aí reside o primeiro passo para uma escola com sentido.
Manuel Matos
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