No exercício, o erro verifica-se quando não se sabe seguir a trilha predefinida que levará ao resultado conhecido; na experiência, é a forma indispensável para encontrar estratégias que podem levar a entender e a resolver uma situação-problema.
Desde que a Educação tem os valores e as práticas que reconhecemos hoje, sempre houve pedagogos que refletiram sobre as finalidades e as formas de chegar aos objetivos que ela se foi propondo chegar. Nos primórdios do que seria a Educação como a entendemos desde o século XIX, ficou claro o caráter eminentemente teórico, conceptual e transmissivo que as práticas educacionais deveriam assumir. Para chegar a esses objetivos era preciso que os alunos se exercitassem, isto é, que fizessem exercícios. E a Escola tradicional criou inúmeros exercícios. Os mais evidentes eram os exercícios da ginástica, dita sueca: um conjunto de movimentos artificiais e sem aplicação prática que conduziriam a uma finalidade bem determinada – a harmonia e a saúde do corpo. Mas havia outros exercícios; por exemplo, os da Matemática serviam para treinar, isto é, tornar familiares as rotinas certas para encontrar a solução de um problema, a única solução correta. Esta ideia de exercício tem implícita três valores: o primeiro é que servem para treinar processos de resolução que antecipadamente se sabem ser aqueles que resolvem um problema; outro aspeto é a sua artificialidade – quem se exercita vive situações que não são reais, ainda que procurem preparar para enfrentar situações possíveis; em terceiro lugar, é uma atividade que se desenvolve na maior das previsibilidades, tanto na forma de o realizar como no resultado a que se quer chegar. Estas características do que chamamos exercício são incompatíveis com a apologia que presentemente se faz da experiência. Quando dizemos que, por exemplo, nas fases mais precoces do desenvolvimento, as crianças devem ter acesso a múltiplas e ricas experiências, estamos a falar de um modelo que é radicalmente diferente do modelo do exercício. Experimentar é um processo de interação direta com a realidade, e não um exercício. E este processo de lidar com a realidade começa por rejeitar a noção do certo e do errado. Qualificar, criticar, julgar, leva a uma limitação e restrição que estão nos antípodas da experimentação.
Na experimentação não há certo ou errado e, mais uma vez, a experimentação distingue-se do exercício: a experiência infantil não tem uma metodologia específica nem levará inevitavelmente à adoção de uma solução única. Quando a criança experimenta, está sempre certa, porque está sempre a mobilizar todas as suas capacidades, a evoluir ao melhor ritmo que pode e que sabe, com a maior motivação que tem. As consequências educativas de se levar em conta, seriamente, a possibilidade de a criança experimentar são enormes. Organizar a Educação a partir da experiência e não do exercício lança desafios que não são facilmente compagináveis com o funcionamento comum da nossa Educação. Se não vejamos, uma criança que experimenta começa por nos proporcionar uma oportunidade para conhecermos as suas singularidades; logo aprendemos que há vários estilos de experimentar: uns mais sistemáticos, outros mais erráticos; uns mais localizados, outros mais holísticos; uns mais consequentes, outros mais dispersos. Qualquer pedagogo que proporcione uma situação de experiência a um grupo entende imediatamente algo fundamental para a Educação – as crianças têm estilos diferentes, ritmos diferentes e interesses também diferentes. No exercício, todas farão o mesmo trabalho, com o mesmo tempo e (teoricamente) com a mesma motivação. Conhecendo de onde cada criança parte e quais as vias preferenciais do seu caminho, levanta-se a questão: e os conteúdos?, e as matérias (que designação interessante...)?, será legítimo assumir que a experimentação é uma coisa e a aprendizagem é outra? Talvez seja possível, mas não parece muito lógico. O que se aprende sobre as crianças ao observá-las a explorarem e a experimentarem situações novas é fundamental para entender como elas aprendem, como se motivam, como se diferenciam e se identificam. Apesar de ser nas primeiras idades que parece mais pertinente a importância da experimentação, este processo desenvolve-se ao longo de toda a vida. A experimentação não é um remédio que se toma em pequeno, muito menos uma vacina, mas, sobretudo, uma filosofia de abordar o mundo, os outros e o conhecimento. Sempre na perspetiva de que pode haver várias maneiras de chegar a vários lugares.
Uma questão final parece distinguir essencialmente o exercício da experiência – é o papel do erro. No exercício, o erro verifica-se quando não se sabe seguir a trilha predefinida que levará ao resultado conhecido; na experiência, é a forma indispensável para encontrar as estratégias que nos podem levar a entender e resolver uma dada situação-problema. Agora que, de novo, se volta a falar na importância de a criança explorar, experimentar, descobrir por si própria formas de entender e se relacionar com o mundo, é útil pensarmos que a experiência não se pode confundir com um exercício. E, sobretudo, temos de levar a sério uma pedagogia que valorize a pesquisa, a descoberta e a exploração dos alunos. Valorizar a experiência das crianças tem consequências que não são compatíveis com uma Educação que saiba tudo o que o aluno tem de saber, que já tenha experimentado tudo o que o aluno pode experimentar, que o queira convencer de que o melhor é mesmo seguir pelo caminho que, antes, muitos seguiram.
David Rodrigues
|