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Eraserhead, 40 anos depois

Eraserhead levou uma quantidade de jovens, sem orçamento, mas com câmaras, a arrastarem um novo público para as salas de cinema. O famoso poster de Nance passou a ser sinal de uma subcultura, passando a ser usado em t-shirts.

Em março de 1977, o mundo do cinema mudou; depois, seguiu-se um silêncio desconfortável. A ocasião foi a primeira exibição pública de Eraserhead, de David Lynch, no Festival Filmex (Los Angeles).
Havia chegado com pouca publicidade e tinha sido recusado em todos os outros festivais. A projecção foi à meia-noite e teve pouco público. Foi exibida a versão original – com duas horas de duração; a que hoje está tem apenas 84 minutos – e no final havia apenas silêncio. Mas ninguém se levantou e abandonou a sala, e algum tempo depois, finalmente, ouviram-se aplausos.
Lynch tinha acabado de fazer 30 anos e ainda estava muito longe de ser o mestre surrealista que se tornou após Twin Peaks. Estava nervoso, não sabia qual seria a reação do público a Eraserhead. Quem esteve presente, e toda a gente que o viu pela primeira vez, ficou mudo com o seu primeiro encontro com Jack Nance e o seu penteado, como o infeliz novo pai, Henry. Mas depois do primeiro encontro, Eraserhead nunca fica menos perturbador, nunca perde a sensação de um pequeno, mas indelével, trauma psíquico.
“Um monte de coisas obscuras e perturbadoras”, chamou-lhe Lynch uma vez. Porém, o filme era, e ainda é, marcante para as pessoas. Há uma vida antes e uma vida depois de Eraserhead.
Recentemente, o filme fez 40 anos. Os fãs certamente já terão visto fotografias de um Lynch desgrenhado na rodagem. Contudo, se mostrarem o filme a alguém que nunca o tenha visto – pobre diabo – e lhe perguntarem quando foi feito, as respostas serão algo do género: 1960? 1931? Na semana passada?

Enquanto paranóia urbana quase contemporânea de Taxi Driver, que funciona como um registo de arquivo de Nova Iorque na onda de calor dos anos 70, Eraserhead é mais uma espécie de apresentação, em slideshare, de tudo o que se encontrava no cérebro de David Lynch.
Porém, se pensarmos na data da apresentação, verificamos a influência que o filme teve no futuro; e também vemos que é icónico, se pensarmos que é sobre o terror da procriação.
Há uma versão muito popular dos acontecimentos que se desenrolaram no seio do cinema americano dos anos 70: o paraíso perdido dos Mavericks, esmagado pelo êxito de Star Wars, que iria estrear algumas semanas depois do Filmex. Contudo, essa narrativa esquece a história paralela de Eraserhead, que levou uma quantidade de jovens que, sem orçamento, mas com câmaras, arrastaram um novo público para as salas de cinema. O famoso poster de Nance passou a ser sinal de uma subcultura, passando a ser usado em t-shirts pelos habitantes de cidades como Los Angeles e Nova Iorque.
Como é evidente, surgiram citações de Eraserhead em filmes posteriores. Lynch ficou, ao que parece, suficientemente irritado com o designer de Alien, pela cópia do bébé do seu filme. E o próprio Stanley Kubrick anunciou que Eraserhead era o seu filme favorito e mostrou-o ao elenco de The Shining para, segundo o próprio, “colocá-los no clima” que desejava.

Paulo Teixeira de Sousa


  
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