Sabendo que os sujeitos podem alterar seus projetos e percursos a qualquer momento, as pedagogias, como os mísseis inteligentes, precisam alcançá-los em deslocamento, em formação.
Em nossos dias, instituições de diversos tipos, como bancos, empresas, organizações midiáticas, corporações, etc., dedicam-se a educar as pessoas em direção aos mais variados objetivos e interesses. Jorge Larrosa e Alfredo Veiga-Neto sublinham que isso faz parte da “construção de uma sociedade completamente pedagogizada, em que todas as práticas sociais se pensam com um molde pedagógico” [Educação e Governamento, em «Inclusão escolar: conjunto de práticas que governam», 2009]. Para que possamos compreender este processo de pedagogização da sociedade, Zygmunt Bauman nos oferece um argumento interessante. Ao apontar que a ideia de educação permanente se tornou mais amplamente aceita a partir do início do século XXI, especialmente com as aceleradas mudanças sociopolíticas e culturais, o autor traz um exemplo em que compara mísseis balísticos e mísseis inteligentes. Explica que os mísseis balísticos são uma potente arma quando o alvo está posicionado, quando se sabe de antemão a quantidade de pólvora necessária e o ponto de aterrissagem. Contudo, caso o alvo comece a se mover rapidamente, tais mísseis se tornam inócuos. Nestes casos, são apropriados os mísseis inteligentes, capazes de alterar seu percurso mesmo quando já em movimento. Os mísseis inteligentes não dependem de alvos preestabelecidos ou de objetivos definidos antes de seu lançamento. Eles são projetados para aprender no ar, para localizar alvos durante o percurso [Desafios pedagógicos e modernidade líquida, em «Cadernos de Pesquisa», mai/ago 2009]. Essa analogia é adequada para pensar que, há algumas décadas, a pedagogia, como um míssil balístico, reconhecia seus alvos, ajustava seus saberes a eles e os resultados eram alcançados no tempo previsto. O míssil era lançado e o alvo estaria lá, tal e qual esperado.
Pedagogias como mísseis. As transformações do tempo presente inviabilizaram este projeto, adequado à lógica de sociedades sólidas. Hoje, como as possibilidades são múltiplas e imprevisíveis, apenas mísseis inteligentes, que localizam alvos em qualquer percurso, a qualquer momento, conseguem ser efetivos. Nesta lógica, as pedagogias, assim como os mísseis, devem alcançar os diferentes espaços da vida, devem adentrar lugares incomuns para, em todos eles, dirigir as condutas dos sujeitos. Precisam ser inteligentes o suficiente para se redirecionarem e reconfigurarem a cada instante, compreendendo que assim como novas formas de escape surgem, novas maneiras de captura e coordenação precisam ser de imediato inventadas. Podemos pensar, então, que a pedagogização da sociedade vincula-se ao desejo sempre reatualizado de conduzir condutas, aliado a renovadas intencionalidades pedagógicas. Sabendo que os sujeitos podem alterar seus projetos e percursos a qualquer momento, as pedagogias, como os mísseis inteligentes, precisam alcançá-los em deslocamento, em formação. A pedagogia a serviço de uma educação permanente assume que condutas devem ser conduzidas em todas as searas da vida, e articula-se para capturar sujeitos segundo ordens e racionalidades em voga em cada tempo, lugar e circunstância. As sociedades totalmente pedagogizadas garantem que um sempre crescente número de sujeitos se encaixe e direcione para os projetos visados. Assim, viver em uma sociedade pedagogizada é viver em um tempo onde todos devem, inescapavelmente, integrar as lógicas vigentes. Um tempo em que praticamente todos os espaços são pedagógicos, porque nesse processo de individualização e de globalização que marca nosso presente, o movimento de conduzir condutas está orientado por interesses políticos e econômicos, pelos imperativos do mercado, pela constante produção de commodities, mesmo que estas sejam as próprias pessoas.
Paula Deporte de Andrade
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