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Governar a educação através da avaliação

Crescentemente, escolas, professores, famílias e alunos desenham as suas estratégias em função da avaliação e dos seus resultados. O movimento político de governação através da avaliação está aí e é urgente que as suas consequências nos processos educativos e no próprio mandato social e político da Educação sejam estudadas.

Nas últimas três décadas, as práticas de avaliação através de testes padronizados expandiram-se como instrumento político de governação global e nacional da Educação. Este movimento influencia comportamentos e atitudes dos professores, dos alunos, dos pais, e induz práticas educativas, tornando-se, desta forma, também num instrumento de ‘condução das condutas’.
Este instrumento político, legitimado por assunções centradas na liberdade de escolha dos sujeitos, ecoando a inspiração do individualismo neoliberal, introduz-se nas suas condutas e estratégias de vida, responsabilizando-os, no passo, apenas a eles, pelos seus êxitos e insucessos. Os efeitos deste movimento sobre a Educação estão a reconfigurar o significado de ensinar, de aprender, de relação pedagógica, de conteúdos, de competências e dos resultados visados pela aprendizagem.

Movimento político global. Os sistemas educativos modernos sempre utilizaram processos de quantificação como forma de controlo e de regulação, mas é a partir dos anos 1990 que, internacionalmente, estes processos emergem como centrais no campo da educação, lançando as bases de um movimento político global.
As avaliações internacionais iniciaram-se nos anos 1960, no âmbito da International Association for the Evaluation of Educational Achievement, mas foi no início deste século, com a criação do Programme for International Students Assessment (PISA) e dos estudos Progress in International Reading Literacy Study (PIRLS) e Trends in International Mathematics and Science Study (TIMSS), que este movimento se intensificou, com um aumento significativo do número de países envolvidos.
Este crescimento foi de mais de 50% entre 1999-2012. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), entre 1995-2006, o número de países que implementaram avaliações nacionais padronizadas mais do que duplicou (de 28 para 67) e entre 2000-2013 foram desenvolvidas mais de 1.100 avaliações em todo o mundo. Simultaneamente, e nesta senda, os testes padronizados, usando os questionários PISA, estão a ser crescentemente administrados nas salas de aula. [Education for All 2000-2015: achievements and challenges, 2015] William C. Smith fala de uma cultura global dos exames para caracterizar este movimento, assinalando que o número de escolas que fizeram dois ou mais exames padronizados externos aumentou aproximadamente de uma em cada oito em 2002 para uma em cada três em 2009. [The Global Testing Culture - shaping education policy, perceptions and practices, 2016]
Este avanço do movimento da avaliação é também visível nos países mais pobres e em vias de desenvolvimento. Nestes, ainda segundo a UNESCO, em 1990, foram conduzidas oito avaliações nacionais, 35 em 1999 e 64 em 2013. É relevante sublinhar a utilização articulada, também de forma crescente, das avaliações nacionais com as comparações do desempenho dos alunos entre países e entre sistemas.

O papel da OCDE. A influência de organizações transnacionais, como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), o Banco Mundial (BM), a Organização Internacional do Comércio (OIC) e a União Europeia (UE), é visível na promoção desta cultura de avaliação. Porém, é a OCDE, sobretudo através do PISA, que mais claramente tem propulsionado o movimento global de governação da Educação básica/secundária através da avaliação padronizada – sem esquecer que a organização também tem um programa semelhante para o ensino superior, o Assessment of Higher Education Learning Outcomes.
O PISA tem servido um propósito de legitimação política e de consolidação dos discursos e das práticas políticas em Educação ao equacionar a melhoria dos resultados quantitativos com o desenvolvimento económico dos países e das regiões. Os resultados do PISA têm, de facto, sido usados como indicadores para a comparação do capital humano disponível nos diferentes países, proporcionando à OCDE, e a outras instituições transnacionais, meios e legitimação para a governação global da Educação.
A avaliação padronizada tem vindo, assim, a cumprir este papel de instrumento político. Segundo a UNESCO, as avaliações regionais e internacionais tornaram-se essenciais na revisão e apoio ao desenho das políticas educativas. Diz esta organização que a “maioria dos países da OCDE iniciou políticas de reforma e iniciativas em resposta direta aos resultados do PISA”.
A partir da proeminência e importância políticas atribuídas à avaliação padronizada na gestão política da Educação, as escolas, os professores, as famílias e os alunos desenham crescentemente as suas estratégias em função do exercício avaliativo e dos seus resultados. O movimento político de governação da Educação através da avaliação padronizada está aí e é urgente que as suas consequências nos processos educativos e no próprio mandato social e político endereçado à Educação sejam estudadas.
Como é que, neste contexto, os alunos aprendem? Como é que os professores ensinam? Como se organizam e governam as escolas? Como são as aulas? Como se reconfiguram as relações interpessoais nos contextos educativos? Estas são perguntas a que a investigação em Ciências da Educação, mas não só, deve estar atenta e dar prioridade.

António M. Magalhães


  
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