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Votar Brexit ou Cap(italismo)exit?

Se há algo a afrontar, talvez o alvo deva ser a natureza desenfreada do capitalismo desgovernado e aqueles que dele têm beneficiado. Aí está uma luta que vale a pena lutar, e um voto que vale a pena votar. Cap(italismo)exit!

1. O dia 23 de junho de 2016 ficará gravado na memória dos britânicos, não só porque foi o dia em que os profissionais de sondagens, os apostadores e a polis tiveram a palavra e respetivo reconhecimento, mas também porque, de alguma maneira, nos dias que se seguiram foi como se, literalmente, a Terra tivesse saído dos seus eixos e tomado, bem mais do que alguns graus, um curso diferente. A noite já não se seguiria ao dia da mesma maneira.
Nos bares, nos cafés e à mesa do jantar, a maioria das classes tagarelas – termo usado pelo ex-primeiro-ministro de Singapura, Lee Kuan Yew, para se referir às classes médias – bebiam a sua cerveja, o seu café ou copo de vinho, confiantes em que o seu voto no referendo daquele dia (‘ficar’ ou ‘sair’ da Europa) confirmaria que os britânicos ficariam na União Europeia.
De facto, a relação britânica com seus primos continentais nunca foi muito fácil. Mas, ao mesmo tempo, as viagens baratas, as casas de férias e as reformas no Mediterrâneo, a dependência de vários setores do Reino Unido de uma força de trabalho internacional, alimentaram a esperança de que uma mente mais aberta, se não cosmopolita, pelo menos pragmática, iria prevalecer.
Errado. Errado. Errado. Nas primeiras horas do dia 24 de junho, a viragem dos resultados era visível. Por volta das quatro horas da manhã, a decisão era clara. O Reino Unido votou ‘sair’. Depois de meses de um hiperativo ufanismo, quer dos eurocéticos, quer dos europeístas, sobre os benefícios económicos e políticos de sair ou ficar, a nítida sensação era a de que naquele dia o Reino Unido seria salvo, se não pela sanidade, pelo menos pela tendência para a manutenção do status quo. As manobras maquiavélicas dos carreiristas políticos, assim como os há muito guardados preconceitos, seriam então retirados do armário pelo sensível e cansado votante, ansioso por começar um relutante verão.

2. Quando uma decisão tão grave tem a capacidade de mudar o curso de uma nação, não só se move o eixo da Terra, mas também o próprio tecido das vidas e destinos de todos os grupos sociais.
David Cameron, o primeiro-ministro, demitiu-se imediatamente. Assim o fez, também, o seu braço direito, o chanceler do Tesouro. Os dois candidatos ao cargo, agora vago, foram, no rescaldo do pós-referendo, rápidos a atirar facas um ao outro, rodando sadicamente a lâmina. Acalentando a ambição de ser primeiro-ministro britânico desde a sua adolescência, Theresa May entrou na corrida, agarrou a coroa, anunciando, no seu novo papel: “Brexit significa Brexit”.
Mas o que quer dizer realmente “Brexit significa Brexit”? É fácil tirar a conclusão de que este voto para deixar a Europa foi um voto informado, e num certo sentido, foi. Mas os perfis dos votantes dizem-nos que, em muitos aspetos, foi um voto daqueles que foram deixados para trás na corrida da globalização. Salários em queda, menos oportunidades de trabalho decente e adequadamente remunerado, o colapso na mobilidade social – em contraste com a concentração da riqueza numa diminuta elite económica cuja fortuna foi facilitada pela elite política – e o resultado era claramente previsível. Foi um protesto da classe trabalhadora (embora, também, racista), um voto daqueles que tentaram fazer o tempo voltar para trás na busca de serem, novamente, grandes.
Como Thomas Piketty e outros autores têm mostrado, as classes trabalhadoras e as classes médias pagaram caro os excessos do setor bancário e sua erupção, em 2008, num espetacular colapso financeiro mundial. O triste é que, ao ver os seus rendimentos diminuídos, a classe trabalhadora embarcou em culpar os imigrantes e não as ávidas classes altas.

3. Mas “Brexit significa Brexit” e, quando, eventualmente, acontecer, levará à saída, trazendo consigo consequências importantes para a Educação e muito particularmente para o Ensino Superior.
Os dados económicos básicos sobre a matéria são muito reveladores: 13% dos estudantes de graduação, 38% dos de pós-graduação e 28% dos académicos vêm de fora do Reino Unido. E embora nem todos estes estudantes e académicos provenham da Europa, muitos vêm. A decisão de sair, com as suas conotações racistas, promovidas por partidos de direita como o UKIP [UK Independence Party], por mesquinhos tabloides e por eurocéticos de direita, significou que ser de ‘outro lugar’, no Reino Unido pós-referendo, deixou muitos a sentirem-se indesejados.
O setor universitário tem não só dependido destes mercados de trabalho continentais, como os estudantes europeus têm dinamizado as universidades, de cofres cada vez mais vazios, com as finanças necessárias; além disso, as vilas e cidades têm vindo a ser beneficiadas com as receitas criadas pelos gastos da vida quotidiana desses estudantes, nomeadamente nas rendas, nos serviços, e na alimentação.
O setor universitário do Reino Unido tem sido também um grande beneficiário dos fundos para a investigação – cerca de 0,8 milhões de libras por ano. O caminho do Reino Unido no sentido de se tornar uma economia competitiva baseada no conhecimento vê, assim, muito do lastro necessário para esse desígnio – fundos, cérebros, confiança no futuro – em risco.

4. Não há grande dúvida de que nos dias e semanas que agora se seguem, o Brexit virá efetivamente a significar uma questão política sumamente difícil. Por trás de toda a certeza política está a complexidade e o potencial de um caos considerável e uma intensificada xenofobia. Divórcios assim tão difíceis geralmente resultam em perdas para todos, exceto para os advogados.
Mas o Brexit também tem implicações importantes para aqueles de nós que pensam o papel que a Educação poderia, e deveria, desempenhar na transformação dos nossos mundos sociais, para que possamos partilhar os benefícios do nosso trabalho mais equitativamente. É possível aos educadores desencadear um debate global sobre as causas mais amplas e profundas da crescente desigualdade social, de modo a que aqueles que votam – seja para ficar ou para sair – tenham uma oportunidade para pensar sobre os nacionalismos estreitos, o oportunismo político, as consequências do capitalismo neoliberal... e por aí adiante? Que decisões políticas queremos para criar as condições para formar indivíduos mais abertos, mais tolerantes, que valorizem, em vez de vilipendiar, aqueles cujos futuros são, ao fim e ao cabo, não muito diferentes do seu?
Se há algo a afrontar, talvez o alvo deva ser a natureza desenfreada do capitalismo desgovernado e aqueles que dele têm beneficiado. Aí está uma luta que vale a pena lutar, e um voto que vale a pena votar. Votemos então no Cap(italismo)exit!

Susan L. Robertson


  
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