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Competências matemáticas no final da escolaridade obrigatória

Finalmente estão a discutir-se em Portugal quais as competências (conhecimentos e capacidades) importantes para a vida de um cidadão do século XXI, a adquirir até ao final da escolaridade obrigatória (12º ano). Era importante que esse estudo tivesse consequências reais na elaboração dos planos de estudo e na definição dos conteúdos de cada disciplina escolar.

Os conteúdos e as metodologias de trabalho propostas nos programas oficiais de cada disciplina são, invariavelmente, independentes uns dos outros e, em regra, ignoram mesmo as sequências de aprendizagem preconizadas para cada disciplina. Com a nossa tradição de trabalho monodisciplinar, os professores de disciplinas diferentes raramente acertam agulhas – partindo do princípio que têm condições reais nas escolas para fazer esse trabalho, o que sabemos raramente acontece.
Seja qual for o perfil de competências que vier a ser definido, estou convicto que incluirá algumas das ideias contidas no conceito de “literacia matemática” que o estudo internacional PISA [Programme for International Student Assessment] avalia e promove: a capacidade de identificar, de compreender e se envolver em matemática e de realizar julgamentos bem fundamentados acerca do papel que a matemática desempenha na vida privada de cada indivíduo, na sua vida ocupacional e social, com colegas e familiares, e na sua vida como cidadão construtivo, preocupado e reflexivo (PISA 2000, ME, GAVE).
Isto significa que as competências matemáticas deverão ter um papel importante na definição do perfil de competências a obter no final da escolaridade obrigatória. Hoje, com o bombardeamento contínuo de estatísticas que nos é feito, como chegar ao final do Ensino Secundário sem conhecer a lei normal ou a lei dos grandes números, ou os fundamentos científicos das sondagens, ou o potencial de previsão e de confusão que nos fornece a correlação estatística?
Todos os dias somos confrontados com diagramas que pretendem transmitir-nos ideias de crescimento rápido (exponencial?), estabilidade ou decaimento mais ou menos abrupto. A linguagem das funções deveria ser familiar. E como ignorar a gestão das finanças pessoais ou familiares, com taxas de juro mais ou menos evolutivas, combinadas com prazos e condições de resgate muito complexos?
A capacidade de tradução da ‘realidade’ em estruturas matemáticas, que, devidamente manipuladas, estimulem a reflexão, a análise e a crítica de um modelo e dos seus resultados, usando vários tipos de tecnologias, cujo poder e limitações sejam bem conhecidos, deve ser a regra. As simulações computacionais de gráficos, tabelas e estruturas geométricas são ferramentas indispensáveis no século XXI.

Diversificação curricular. Apesar de a Educação ter evoluído muito a nível planetário, a ignorância leva à aceitação acrítica e frequente de esquemas piramidais (tipo Dona Branca). As eleições democráticas podem ser feitas de modos muito diferentes, mas em Portugal a ‘receita’ quase obrigatória é o método de D’Hondt. E os outros métodos? Que sabem os cidadãos de métodos de partilha justa?
A definição de percursos ótimos em mapas ou cidades (“geometria do motorista de táxi”) ou a leitura de diagramas bidimensionais de estruturas tridimensionais, ou a interpretação de tabelas de valores (horários ou planos de trabalho), são algumas das competências matemáticas fundamentais no mundo de hoje. A capacidade de usar linguagens de programação é uma competência matemática emergente, sendo que há experiências em vários países (incluindo Portugal) de começar a trabalhá-la logo no primeiro ciclo de escolaridade.
A lista de competências matemáticas que um cidadão do século XXI deve adquirir até ao final da escolaridade obrigatória é imensa e isso impedirá que todos os estudantes as adquiram globalmente, devendo ser feita uma seleção criteriosa de quais as mais importantes em função das diferentes vias do Ensino Secundário que vierem a ser definidas. Isto significa que diferentes alunos poderão estudar diferentes tipos de matemática conforme a via em que estiverem inseridos, mas todos deverão inevitavelmente estudar alguma matemática até ao final da escolaridade obrigatória.
Entendo que um bom exemplo da diversificação curricular possível é o da Matemática Aplicada às Ciências Sociais, que pretende responder às necessidades dos alunos de Ciências Sociais e Humanas. Todos os estudantes devem ter experiências matemáticas significativas que lhes permitam movimentar-se agilmente e saber apreciar devidamente as principais abordagens matemáticas, não só das suas futuras atividades, como da sua vida pessoal e social.

Jaime Carvalho e Silva


  
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