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Escola Pública: há que aproveitá-la

A Escola do século XXI é o único espaço onde a sociedade pode guardar os seus filhos, para que os eduque e lhes proporcione as aprendizagens necessárias, para que faça deles cidadãos responsáveis, intervenientes e solidários; para que apreendam a vida para além dos conteúdos. Esta perspetiva, presente nos anos 80-90, desapareceu com a (re)criação dos exames nacionais.

Mais uma vez, o jornal Público (17.12.2016) investiu uma quantidade enorme de páginas nos rankings das escolas. De novo, ostentou que os colégios “continuam a dominar os rankings das médias dos exames”, isto é, estão à frente das escolas públicas. Tudo isto apesar de chamar a atenção para o facto de “dois terços das escolas que mais inflacionam notas são privadas”. E não sem chamar à primeira página que há “públicas mais desfavorecidas” que se destacam no “ranking do sucesso”, particularizando exemplos em que sobressaem questões como o multiculturalismo e rentabilização da ruralidade.
O novo indicador do Ministério da Educação – “percursos diretos de sucesso” – vem provocar alguns dissabores em toda esta engrenagem. Parece delinear-se (e comprovar-se) a ideia de que a reprovação não é uma medida que contribua para o sucesso escolar; realmente, ela tem como principais consequências a exclusão dos alunos do seu percurso académico regular, a perda do grupo de pertença, a redução da autoestima, a assunção de si como um sujeito incapaz e a desmotivação total em relação à escola.
Será fácil inferir que muitos dos casos de indisciplina com que a Escola hoje se debate têm origem neste processo de ‘marginalização”, que ela própria constrói e que, não por coincidência, acumula outros fatores, como a situação social e económica das famílias, a formação cultural, ou outros do foro comportamental, individual ou grupal. Este novelo que se vai dobando é a forma mais terrível de desviar os alunos da Escola.

Reorganizar para melhorar. Para muitos, a Escola continua a ser só o espaço e o tempo (social?) onde se deve procurar o sucesso académico, nunca o educativo, a não ser o cumprimento de uma série de regras impostas e pouco interiorizadas; continuam a investir no valor indecifrável e ininteligível da décima numa prova de exame, como se ter 13,4 ou 13,5 marcasse alguma diferença: todos sabemos que não; uma décima não constrói bons profissionais e muito menos bons cidadãos.
O argumento de que não se pode passar os alunos sem terem apreendido os conteúdos é válido, mas só no contexto de uma escola organizada na rigidez de turmas estanques, programas pouco flexíveis, anos e ciclos limitados, em função de exames nacionais; só numa Escola sem autonomia, onde não podem ser tomadas as medidas mais adequadas ao contexto, que implicam ter em conta as mais diversas razões, como a escolaridade dos pais, o socioleto linguístico, os índices de pobreza. Se a Escola abandonar esta organização dos primórdios do século XIX e souber reorganizar-se, tudo mudará para melhor; sem esquecer que são sobretudo os professores e os investigadores da especialidade quem sabe de Educação, independentemente da necessária articulação com outros profissionais.
Queiramos ou não, a Escola do século XXI é o único espaço onde a sociedade emergente pode guardar os seus filhos: para que os eduque, lhes proporcione as necessárias aprendizagens, faça deles cidadãos responsáveis, intervenientes socialmente e solidários; para que apreendam a vida muito para além dos conteúdos. Esta perspetiva – um pouco presente nas escolas de todo o país nos finais da década de 1980 e princípios da de 1990 – desapareceu com a (re)criação dos exames nacionais.
Os professores do Secundário começaram a ser obrigados a trabalhar para as notas, vendo nelas a sua exposição profissional pública, o que não é verdade; muitos abandonaram a parte cívica e social na Educação, em que tão pouco tinham ainda trabalhado e, rigidamente, assumiram o não há tempo; atribuíram-se um valor profissional de forma enviesada. Quem instituiu os exames sabia bem o que estava a fazer.

Rejuvenescer a escola. A Escola Pública a tempo inteiro implica um espaço de cidadãos felizes. Não pode instituir-se a partir de aumentos de horários letivos e não letivos dos poucos professores existentes, do eterno adiar da idade de aposentação, da redução de assistentes operacionais.
Para funcionar de manhã à noite, tem de ser nova e de gente jovem; tem de modelar as suas atividades pedagógicas, fazendo das aprendizagens momentos de lazer, ativando as metodologias de projeto, a interdisciplinaridade, as expressões artísticas, o multiculturalismo, a inclusão, a solidariedade social. Mas só pode fazê-lo incrementando a permanência de outros profissionais que, interagindo com os professores (detentores de boas formações inicial e contínua), ocupem outros tempos: psicólogos, assistentes sociais, animadores culturais e outros; só pode fazê-lo com verdadeiras articulações com as associações culturais e desportivas locais, e outras, no âmbito de uma efetiva municipalização. O desenvolvimento de todas estas outras vias de aprendizagem só poderá conduzir ao sucesso, escolar e educativo.
Quanto aos exames e aos rankings, pouco nos dizem, apesar de serem trabalhos jornalísticos que nos atraem a todos. Os poucos dados interessantes que possam surgir desta vez não deixam para trás o aspeto falacioso e romanesco. Necessitamos de nos basear em estudos profundos; de evidenciar o trabalho árduo e intenso que os professores sempre desenvolveram nas escolas em prol da formação dos futuros cidadãos.
A Escola Pública é ainda um ex-libris e uma mais-valia. Há que aproveitá-la ao máximo. Essa responsabilidade cabe à sociedade que somos. E, consequentemente, ao governo que elegemos.

José Rafael Tormenta


  
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