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25 anos em campanha

1. Hoje vou falar de nós, A Página da Educação, em homenagem ao imperativo cívico de todos os obreiros de um jornal em que, ao longo de 25 anos, num trabalho materialmente desinteressado, pela vontade de exprimir livre e democraticamente a sua mensagem de cidadania, cultura e saber, se empenharam, como que em espírito de missão, no que se poderá considerar a campanha infindável da Educação.
Pense-se que também para isso foi preciso – parafraseando o conhecido colunista Manuel Halpern – “descansar um pouco do virtual que nos rodeia, da chuva de cliques e smiles que nos persegue, das teclas que calcamos e desabituaram os dedos da escrita a caneta e papel, como faziam os antigos e nós há pouco mais de duas décadas (...)”
Aconteceu por esta altura, quando já começava a perfilar-se no mundo o homo digitalis, que conheci um dos grandes obreiros da PÁGINA – José Paulo Serralheiro, falecido em 2009. Nos começos de uma campanha que prometia durar além da sua vida, como está durando, deu-se o nosso primeiro encontro em 2000, a seu pedido, manifestado a uma colaboradora e amiga comum que conhecia o passado de ambos em Angola, já ali empenhados em ‘campanhas’ cívicas de matriz jornalístico-cultural – em Angola nunca nos vimos, mas sabíamos um do outro através das publicações Imbondeiro, eu como coeditor em Sá da Bandeira, ele como ‘autodelegado’ em Nova Lisboa, e ambos como colaboradores do jornal local Voz do Planalto.
Para quem não tenha lido a entrevista do Zé Paulo a Inês Barbosa de Oliveira (PÁGINA nº 20, de 2002), valerá repetir que ele viveu com a família em Angola, dos 8 aos 18 anos, em função do que residiu em várias regiões, de Norte a Sul, tendo presenciado no Norte, onde a violência atingiu os picos da crueldade humana, o começo da chamada Guerra Colonial, também chamada pelos autóctones, Guerra de Libertação. Fruto amargo desse tempo é o seu excelente conto “O Enfermeiro Gaspar”, incluído na PÁGINA nº 186 (2009).

2. Já com o curso dos liceus, Zé Paulo regressou à então Metrópole, fixando-se em Lisboa para continuar os estudos. Começou por frequentar o curso de Psicologia, por ser o único das Ciências da Educação que se podia frequentar no tempo do fascismo. Mas era a História que o chamava, pela relação com o social que já lhe vinha de África, incrustado numa embora incipiente ação jornalística, que ainda não pudera continuar em Portugal, onde todavia se viu resgatado por atuações político-revolucionárias.
Nas suas próprias palavras: “Na atividade política sempre se escreve, mas não julgo resultar daí uma atividade mais consequente no jornalismo. Mais importante é pensar que o jornalismo pode ser um modo de exercer a 25 anos em campanha cidadania e, também, o interesse pela leitura e pela procura de informação. Alguns dizem que o jornalismo é um exercício meramente técnico, isento, etc. Eu penso que todo o jornalismo é um jornalismo de causas. Claro que as causas devem ser servidas e tratadas com rigor, objetividade, isenção, mas o jornalismo é um compromisso social e político, é um ato de cidadania.”
A meio dos estudos, é chamado para cumprir serviço militar na guerra da Guiné-Bissau, onde passou dois anos, mas outra vez com as memórias do Norte de Angola a reformatarem no seu espírito o imperativo de lutar por outras causas. Terminada a obrigação militar e regressado a Lisboa para concluir os estudos, uma proposta para dar aulas sobre ciências sociais num curso de promoção profissional de enfermeiros adultos determinaria a direção do caminho a seguir. “Descobri, nessa experiência, que o professor mexe no que eu queria mexer. Mexe no social. Mexe na vida. Trata a cultura. Vive das pessoas e com as pessoas. Descobri que o ensino e a formação são, de certo modo, o centro da vida social.”

3. E, res, non verba, a sua atuação na direção da PÁGINA, em que ligou o jornalismo à educação, exprime claramente a substância do seu programa de vida ativa, com a moldura democrática que lhe conhecemos. Pertenceria a esse programa manter uma revista com periodicidade editorial, como exigia o interesse dos leitores e o entusiasmo dos colaboradores, de várias origens, que pensavam a problemática da Educação como um vetor comum.
Mas como atravessamos um tempo de macro-economia, em que até as manifestações da Cultura e do Saber se medem pelos custos em dinheiro, a PÁGINA em papel teve de se limitar ao materialmente ainda possível. Coincidência: do Brasil acaba de nos chegar a informação de que a conceituada revista ECOS, editada pela Universidade Estadual de Mato Grosso, produzira o seu último número em papel, “pelo facto de os órgãos de fomento não estarem mais financiando os periódicos impressos”. Por nós, louvor ao Sindicato dos Professores do Norte, pelo indispensável apoio concedido à PÁGINA.
Alguém dirá, em contrapeso, que sempre restará o online. Mas outros, como eu, objetarão que a história ainda se faz com memórias e documentos. Em papel. Como se está fazendo a história d’A Página da Educação.

Leonel Cosme


  
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