“Esta depressão que me anima” (Naifa, 2010)
O Prof. S. ficou estupefacto com o convite. Apadrinhar uma turma de finalistas?! E logo de uma escola que não a sua! Nunca pensou que tal lhe poderia acontecer. Isso só era possível porque aqueles estudantes de um curso pós-laboral desconheciam o seu histórico de recusa (ostensiva) que alardeava aqui e ali. Detestava a bênção, a queima, as “praxes estúpidas, humilhantes e de uma grosseria difícil de imaginar num canto da Europa que se julga civilizado” (Paulo Castilho, O Sonho Português, 2015). Enquanto estudante, nunca tinha passado por ritos similares. Pelo contrário, tinha-se oposto aos resquícios bafientos que teimavam em persistir por Coimbra. Na altura, as prioridades político-sociais do movimento associativo, em que se empenhara activamente, eram outras e bem mais sérias. Fora o Prof. S. leccionar numa escola congénere (ou concorrente?), em regime de acumulação, por duas razões: 1) sempre defendera que os professores do Superior deviam ‘rodar’ por diferentes estabelecimentos de ensino; conhecer outras culturas escolares era um plus na experiência docente. Infelizmente, o sistema ia do 8 (imobilismo no Superior) ao 80 (itinerância no Básico e no Secundário); 2) a filha mais nova, nesse mesmo ano, tinha entrado no Ensino Superior, numa turma pós-laboral. Ele que nunca leccionara à noite quis conhecer essa população, dita difícil, de estudantes-trabalhadores que “não têm tempo para nada, designadamente estudar”. Havia sido professor daquela turma em duas UC de opção – uma no 2º ano e outra no 3º – e, do grupo, só três não foram seus alunos. Apesar do arranque, em Setembro, não ter sido fácil – tratava-se de uma UC nova, ‘semi-periférica’ no seu CV, e nos primeiros trabalhos de grupo emergiram as tensões no seio da turma – tudo se encarreirara com o início dos role-playing. De facto, aquele grupo veio a tornar-se único, como nunca teve outro igual. Ficou-lhe grato porque o levaram a pôr na gaveta uma série de pré-conceitos sobre o ensino nocturno, os trabalhadores-estudantes, os maiores de 23 anos,... Acabou, naturalmente, por aceitar o convite.
INTERVENÇÃO CURTA. No Dia Mundial da Criança realizou-se a Queima das Fitas. Excelente escolha numa Escola de Formação e Educação. A bênção começou quando um jovem sacerdote, vestido (quase) ‘à civil’, a estola como único paramento, subiu ao improvisado palanque atapetado de vermelho. Munido do hissope, aspergiu de água benta as pastas pretas com as fitas multicores dos finalistas. As suas litúrgicas palavras, breves e plenas de lugares-comuns, foram os primórdios da festa-maratona. Do ‘caderno de encargos’ do padrinho constava a obrigatoriedade de proferir ‘umas palavras’ na cerimónia pública. Levou aquilo a peito. Até alinhavou um paper (escorreito), mas não se precaveu para aquele soberbo dia de sol – fez-lhe falta o panamá para amenizar a torreira. Já estava à beira de um escaldão quando foi chamado ao palco. À sua frente, uma multidão de ‘pinguins’ – assim os via, trajados de capa-e-batina – e de familiares babosos, vindos das berças suburbanas. Foi curta a sua intervenção, terminando deste jeito: “Num percurso profissional que já ultrapassa os 35 anos, confesso estar a viver um final de ano lectivo muito original! Assisti, pela primeira vez, a uma Queima das Fitas, em meados de Maio último (antes, nunca por lá andei, quer na formação universitária, quer no exercício da docência), quando a minha filha C. festejou o fim da sua licenciatura, na Escola do Estoril. Neste momento, estão vocês a vivenciar o ritual de passagem que, no passado, marcava o fim do ciclo académico e a entrada na vida laboral. Tal não é assim para um número significativo de trabalhadores-estudantes desta turma. Para os outros, o contexto actual (com a troika acabada de se instalar) parece indiciar o ‘não-emprego’. E nesse porvir, resta-lhes dar sentido ao conceito de ‘educação e formação ao longo da vida’ (a Tuna bem vos avisou, numa das canções acabada de interpretar, “esta vida é para sempre!”): prosseguirão estudos pós-graduados uns a seguir aos outros, fintando as estatísticas do desemprego. Mas como lembra a sabença popular: “Não há mal que sempre dure...” Os jovens são sinónimo de Esperança e Futuro. Apesar de pouco dados a acatarem conselhos, aqui vos deixo a erudição de dois escritores lusófonos, agraciados com o Prémio Camões, e que muito aprecio: Mia Couto – “não viver é o que mais cansa” (Jesusalém, 2009), e Vergílio Ferreira – “o futuro, que é uma variante modesta da eternidade” (1983), de um livro cujo título se apropria à minha despedida: Para Sempre.”
Luís Souta
|