É fundamental compreender porque é que os jovens ‘se radicalizam’ e a relação entre os fatores estruturais e psicossociais. Os programas de intervenção (CEV) expressam a ‘teoria da mudança’ através dos tipos de práticas com que estão comprometidos, e muitos parecem mais direcionados para a vigilância e pacificação da juventude e a manutenção do status quo, e não para o enfrentamento e correção dos desafios e obstáculos que os jovens muçulmanos de todo o mundo sentem.
No rescaldo dos ataques terroristas do ano passado, em Bruxelas, Ancara, Beirute e Paris, o medo do terror disseminado pelo ISIS [grupo Estado Islâmico] alastrou para além do seu local de nascimento (Iraque/Síria) e tornou-se global. Tal como outros trágicos eventos desde de 11/09, a resposta das elites políticas ocidentais tem sido o poder militar, a intervenção no exterior e o aumento da vigilância e da segurança domésticas. Desde a invasão e ocupação do Afeganistão, a intervenção militar ocidental – seja através de ‘aliados’ locais, bombardeamentos aéreos, drones, capitulações e torturas extraordinárias – pouco tem contribuído para que os seus cidadãos se sintam mais seguros e muito tem contribuído para inflamar as tensões. Embora compreensível, é uma resposta destinada, mais uma vez, a exacerbar as tensões, a ampliar os campos de batalha, a provocar a morte de mais civis e a tornar o mundo mais perigoso, em vez de mais seguro. Juntamente com os tambores de guerra, um número crescente de Estados, agências e atores internacionais discutem a forma como a educação pode contribuir para o Combate ao Extremismo Violento (CEV) e foram criadas uma série de iniciativas educacionais. Enquanto a linguagem do CEV surge como ampla e genérica, o seu foco está claramente direcionado para a juventude muçulmana. Muitas iniciativas no âmbito da educação estão centradas no fornecimento de competências e oportunidades económicas, outras centram-se no desporto e atividades extracurriculares, com base na lógica de que “mãos ociosas fazem a obra do diabo”. Outros programas estão focados na dimensão psicossocial, na perspetiva de que a propensão para a radicalização está ligada a doenças e inseguranças, isto é, uma patologia propensa a reagir e a ser desencadeada por certos eventos/contactos/experiências. Estes tipos de compromissos procuram levar os jovens em risco a ver o erro dos seus caminhos, a hipocrisia das organizações, ou das ideologias que seguem, e a traçar um caminho para a ‘desradicalização’. Embora estes programas captem certos aspetos do problema (tanto económicos, como psicossociais), ao individualizarem a questão no ‘cliente’, muitas vezes tendem a evitar as interações mais complexas entre agentes, estruturas e sociedade, e a história do problema. Ou seja, concentram-se em tratar o radical e não fazem a pergunta sobre as condições e os contextos que produzem o ambiente em que o ‘radicalismo’ parece florescer.
PARAR PARA PENSAR. O elefante na sala, pelo menos em parte, é a islamofobia, a relação do Ocidente com a Arábia Saudita, a hipocrisia do próprio Ocidente e dos criadores de programas CEV, que evitam qualquer ideia de que possamos ser ‘nós’ os responsáveis pela radicalização: desde o financiamento dos Mujahideen, no Afeganistão, quando os soviéticos ocuparam o país na década de 1980, usando Osama Bin Laden como agente de recrutamento e financiamento, e criando um currículo de ódio para ser usado nas escolas, nos campos de refugiados afegãos, ao longo da fronteira com o Paquistão/Afeganistão – financiado pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) e escrito por consultores da Universidade de Nebraska. Desde as últimas invasões do Afeganistão e Iraque, Abu Ghraib, ao financiamento de milícias sunitas anti-Assad na Síria, por um lado, e um governo xiita, apoiado no Iraque, por outro, o papel do Ocidente parece cada vez mais o de um agente provocador, e não o de um interveniente humanitário. Tanto esta geopolítica hipócrita como a islamofobia subtilmente escondida, predominantes nestes programas de educação, estão claramente ausentes do escrutínio crítico do seu conteúdo pedagógico. Uma ideia fundamental para esta discussão é compreender porque é que os jovens se ‘radicalizam’ e a relação entre os fatores estruturais e psicossociais. Esta análise é importante, precisamente, porque os programas de intervenção expressam esta ‘teoria da mudança’ através dos tipos de práticas com que estão comprometidos. Muitos parecem mais direcionados para a vigilância e pacificação da juventude, e para a manutenção do status quo, e não para o enfrentamento e correção dos desafios e obstáculos sociais, económicos, políticos e culturais, e a alienação que os jovens muçulmanos de todo o mundo sentem. Desta forma, num momento em que os tambores da guerra soam e a educação e a segurança (financiamento, política e programação) estão cada vez mais interligadas, vamos respirar fundo, olhar para o espelho e refletir sobre as questões que temos pela frente. Vamos pensar como chegamos até aqui, e onde e como a educação se pode tornar um veículo de transformação social, para reduzir desigualdades e reconstruir a esperança.
Mario Novelli
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