Página  >  Opinião  >  Novos cenários para a pesquisa em Educação no Brasil

Novos cenários para a pesquisa em Educação no Brasil

Apropriando-se da cartilha “Como ocupar um colégio?”, a maior mobilização estudantil brasileira deste século contestava a proposta de reorganização da rede escolar de São Paulo, de que resultaria o fechamento de 94 escolas. Durante as ocupações, os estudantes transformaram as escolas em espaços de experimentação pedagógica como nunca antes visto.

O Brasil está longe de viver uma Primavera Árabe, tal qual aconteceu no Oriente Médio e no Norte da África a partir de 2010, com amplas manifestações populares (Tunísia, Egito, Líbia, Síria, Argélia, Bahrein, Djibuti, Iraque, Jordânia, Omã, Iémen) e protestos menores (Kuwait, Líbano, Mauritânia, Marrocos, Arábia Saudita, Sudão, Saara Ocidental). O cenário brasileiro que pode ser embrionário para manifestações semelhantes é a extensão da Operação Lava Jato e as denúncias de corrupção que afeta parte significativa da classe política, sem poupar sequer os principais mandatários da nação.
No âmbito da Educação, mais especificamente do movimento estudantil, a reminiscência que nos interessa é a Revolta dos Pinguins, que abalou o Chile em 2006 e 2011, levando para as ruas milhares de estudantes de escolas públicas e privadas que reivindicavam uma Educação pública, gratuita e de qualidade.
Sem qualquer risco de plágio, de copiar experiências estrangeiras ou de transplantar para terras brasileiras experiências de outros países, estudantes secundaristas brasileiros se apropriaram da cartilha “Como ocupar um colégio?”, escrita por estudantes argentinos e chilenos, um simples libelo de quatro páginas, para desencadear a maior mobilização estudantil que o país conheceu no século XXI e que, pela primeira vez, colocou na defensiva grupos políticos que há mais de 20 anos não enfrentavam nenhuma oposição ou contestação séria e consequente, principalmente no Estado de São Paulo, onde reina o PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira).

SONHOS E DESEJOS. As manifestações contestavam a proposta de reorganização da rede estadual de ensino, que previa a destinação das escolas para atender exclusivamente ao Ciclo I (de 1º ao 5º ano), Ciclo II (de 6º ao 9º ano) e Ensino Médio, o que resultaria no fechamento de 94 escolas e realocação de alunos de uma escola para outra.
Com manifestação favorável da Justiça, que entendeu ser a ocupação legítima na defesa do direito à educação pública, gratuita e de qualidade, o Governo do Estado não teve outra alternativa senão voltar atrás em suas intenções e aceitar a demissão do secretário de Estado da Educação e parte de sua equipe.
A decisão política só foi tomada depois que cerca de 200 escolas foram ocupadas na cidade de São Paulo e que a popularidade do governo despencava cerca de 30% junto à opinião pública e o movimento começava a se multiplicar em outras cidades e estados do país. Vale ressaltar que em 2014 o Brasil contava com cerca de 190 mil salas de aulas, onde estão cerca de 43 milhões de alunos matriculados e atendidos por cerca de 2,1 milhões de professores.
Quando alunos adolescentes e jovens se apropriaram da escola, podendo repensar seu uso, sua organização, os conteúdos curriculares, as formas de participação da família e da comunidade e as relações de poder, o que emergiu como expressão dos seus sonhos e desejos é uma escola bem próxima da materialização de conceitos teóricos que embasam a legislação social brasileira, mas que tem sido de difícil operacionalização, tais como gestão democrática da escola pública, controle social das políticas públicas e de exercício da cidadania ativa.
A pesquisa educacional, que sempre tangenciou estes temas em busca de experiências concretas de sua realização na rede pública de ensino, agora passa a ter uma referência importante, mostrado espontaneamente pelos próprios estudantes, que durante a ocupação transformaram suas escolas em espaços de experimentação pedagógica como nunca antes visto na história da Educação no Brasil.

Roberto da Silva


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo