A multiplicidade de iniciativas e projetos, bem como de protagonistas envolvidos, merecia uma abordagem integradora quanto à dimensão socioeducativa implicada no acolhimento e na integração dos refugiados.
A recente chegada de milhões de refugiados à União Europeia (UE), bem como a presença de pessoas nessas circunstâncias nos países limítrofes da Europa, constitui a maior crise humanitária que o continente enfrenta desde a Segunda Guerra Mundial. Face ao persistente impasse político verificado, o Comité Económico e Social Europeu identificou a necessidade de criar “um verdadeiro sistema europeu comum de asilo e uma distribuição equitativa dos refugiados”, além do estabelecimento de rotas seguras e regulares para a entrada dos refugiados na UE, a fim de evitar mais mortes, violações dos direitos humanos e a exposição ao contrabando e tráfico de seres humanos. O momento atual confronta-nos, pois, com duas grandes perguntas: a) Qual é o valor de uma pessoa? Como a maioria dos refugiados não pertence à esfera jurídica de nenhum país europeu, os sucessivos adiamentos de uma política europeia consensual de acolhimento destas pessoas assume ser, na prática, uma confissão de incompetência para elaborar um sistema universalmente válido capaz de medir o valor de uma pessoa. O que a situação dos refugiados vem denunciar é que, ao reconhecimento jurídico da pessoa na esfera estatal, e dos respetivos direitos humanos, deviam acrescer as componentes éticas e solidárias provenientes das outras esferas da vida pessoal e sociocomunitária, abrindo portas a uma salutar assimetria do reconhecimento do seu valor absoluto: como pessoas, somos iguais em valor/dignidade, para além das circunstâncias históricas em que nos possamos encontrar! Advogamos que o princípio do direito ético do estatuto de cada pessoa deve preceder o princípio dos direitos políticos, permitindo construir o universalismo dos direitos da pessoa que proteja a sua dignidade contra todas as formas de desrespeito ou ameaças à sua integridade. b) Que hospitalidade proporcionamos? A figura do hóspede encontra-se inevitavelmente indexada a um conjunto de representações sociais com designações ambíguas como são as de estrangeiro (ou “estranho”), outro, convidado, visitante, cidadão, refém, emigrante, viajante ou outras figuras similares, e posto em relação com um conjunto de normativos jurídico-securitários como são a de Estado, direito nacional ou internacional, direitos humanos, de exílio ou de refugiado, de livre circulação, etc. E se não pode haver ingenuidade social, política e cultural no que diz respeito ao acolhimento de desconhecidos no interior das “nossas comunidades”, a perspetiva desconfiada e contratualista da hospitalidade deve ser repensada. Se é verdade que a hospitalidade é perpassada por sentimentos ambivalentes que oscilam entre a cautela e a desconfiança e a abertura ao outro sem pré-condições, pactos ou contratos, os modelos e projetos de acolhimento e de integração gizados nas sociedades europeias hão de revelar se o verdadeiro acolhimento do outro não o forçará a fazer prova diária da sua (forçada) identificação com o que é “nosso”...
IR MAIS ALÉM. Resolvidos os problemas mais urgentes, a dimensão socioeducativa da problemática do acolhimento e da integração dos refugiados nas nossas comunidades está, pois, colocada diante de nós. Em Portugal, têm-se multiplicado iniciativas e atores que protagonizam projetos meritórios tendo em vista estes objetivos. No âmbito da Pedagogia Escolar, há que referir o «Guia de Acolhimento: Educação Pré-Escolar, Ensino Básico, Ensino Secundário», que a Direção-Geral da Educação deu a conhecer, em março, concretizando, assim, a Agenda Europeia para as Migrações. No âmbito da sociedade civil, optamos por destacar a dinâmica de envolvimento de mais de 200 instituições, coordenada pela Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR). Um dos objetivos que a PAR materializa é a formação de centenas de técnicos e voluntários das instituições anfitriãs em regime de e-learning («Par(A) colher Melhor, Acolhimento e Integração dos Refugiados em Portugal»), dinamizada por uma parceria entre diversas instituições de Ensino Superior e instituições especialistas na área. E, no entanto, a multiplicidade de iniciativas e projetos, bem como de protagonistas envolvidos, merecia uma abordagem integradora quanto à dimensão socioeducativa implicada no acolhimento e na integração desses refugiados. Se, como afirma Zygmunt Bauman («Confiança e Medo na Cidade»), “viver na cidade significa viver em companhia de estranhos”, a convivência na cidade exige que se organizem as relações de proximidade-distância que se deseja fomentar, sendo a medida dessa distância, antes de tudo, uma construção psicossocial e cultural (Edward T. Hall, «A Dimensão Oculta»). Ora, carregando a Pedagogia Social a responsabilidade ética de fomentar o laço social significativo entre pessoas livres e iguais, através de projetos de aprendizagem social intersubjetivamente experienciados, a qualidade dessa experiência e desses laços atestará do grau de acolhimento e de integração das pessoas chegadas a nós na condição de refugiados. E se, num primeiro momento, importa congregar recursos e oferecer estratégias de integração dessas pessoas, visando a sua capacitação subjetiva e cívica – exemplo desta abordagem é o projeto Flucht Nach Vorn (Fuga Para a Frente), do Instituto de Pedagogia Social de Berlim –, o ponto de vista situado entre o educativo e o social desta integração levanta um conjunto de interrogações mais amplas. A saber: será indiferente gizar modelos de integração social tendo por base uma noção de cultura ontologizada ou instrumental? Vai dar ao mesmo partir de uma conceção multicultural ou intercultural da inclusão? De que entendimento partem os projetos de inclusão quando apelam a políticas de solidariedade esquecendo as de alteridade? Não será este o momento oportuno para estabelecer uma parceria humilde, mas fecunda, entre investigadores e interventores em Pedagogia Social e dar um contributo socialmente útil para pensar os modos de ‘fazer sociedade’?
José Luís Gonçalves
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