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Sim, senhor Ministro!

Tiago Brandão Rodrigues herdou uma espécie de Chernobyl. O conservador Nuno Crato estendeu as radiações de efeitos nefandos às gerações vindouras; os caminhos para colmatar tudo isso não são simples, nem evidentes. Ninguém, desde o tempo de Salazar, o tinha conseguido de forma tão abrupta e num curto espaço de tempo. Crato não o fez só por opção política, mas sobretudo por uma sobranceria frequentemente própria de quem tem desconhecimento, neste caso das mais recentes teorias das Ciências da Educação.

Um dos maiores atentados que Nuno Crato desferiu ao país foi a tentativa de disciplinarização no 1º Ciclo. Não equacionando agora a não existência de disciplinas essenciais, será coerente lembrar que quando pretendemos apanhar um autocarro acionamos – simultaneamente! – uma série de competências que nos permitem, por exemplo: decifrar o destino desse transporte público (leitura), inferir o seu itinerário (planeamento visual), estimar o tempo de deslocação até à paragem de acordo com a distância (cálculo), estugar a passada (controlo dos movimentos do corpo), entre outras.
Howard Gardner anunciou há 33 anos a existência de várias esferas intelectuais de interação genética-ambiental e de diferentes comutações destas, impulsionadas por cada indivíduo (teoria das inteligências múltiplas). Definiu o conhecimento como uma capacidade que cada um desenvolve através de processos simbólicos próprios. Vinte anos depois (2003), Gardner disse que foram os professores quem mais abraçou a sua teoria. Porque a diferença dos perfis intelectuais implica a ideia de que os conteúdos devem ser abordados através de estratégias várias, com diferentes analogias, comparações, formas simbólicas. Esta diversidade de abordagens – para permitir que cada aluno possa aprender “melhor”, “à sua maneira”, do modo mais facilitado pelo seu cérebro – só é possível se as aprendizagens forem tratadas de forma pluri e interdisciplinar. Daí a necessidade de uma formação assaz qualificada dos docentes do 1º Ciclo, espraiada num bom domínio didático e pedagógico e num bom conhecimento de todas as disciplinas. Todas, afinal, essenciais.
Durante demasiados anos, o 1º Ciclo foi embebido em PEBs (professor do Ensino Básico, 1º e 2º ciclos), muitas vezes determinados – e bem – a lecionar Matemática, Ciências, Educação Musical, Educação Física, Português, Inglês, etc., no 2º Ciclo; mas com pouca vocação e pouca formação específica para o 1º Ciclo.

CONTRARRELÓGIO. Não é difícil trabalhar nas escolas de 1o Ciclo, se se estiver aberto ao trabalho colaborativo. A monodocência, tão necessária às crianças deste grupo etário, não significa um trabalho isolado na sala de aula. Pelo contrário, a aula – que pode não ser entre quatro paredes... – deve ser aberta:
i) à colaboração planificada de professores de outras classes e vice-versa, de acordo com gostos e competências adquiridas;
ii) a projetos comuns a mais do que uma turma;
iii) à comunidade cultural envolvente: museus, companhias de dança e de teatro, orquestras, clubes desportivos, etc.;
iv) às instituições sociais onde as crianças podem aprender e aprender a ser solidárias;
v) a todos os projetos solicitados pelo próprio ministério e por fundações.
Tiago Brandão Rodrigues, sendo capaz de resolver este problema que Nuno Crato tão imprudentemente ampliou, resolverá, por consequência, o problema de todos os outros ciclos do ensino obrigatório:
- por um lado, a organização dos curricula, perspetivando a resolução de problemas através do trabalho de projeto, de forma interdisciplinar e colaborativa e para além da (sala de) aula – só possível com o investimento, que parece estar a ser feito, quer na mudança, quer no reforço de práticas letivas de qualidade, em termos didáticos e pedagógicos;
- por outro lado, pela centralização em aprendizagens emocionalmente adequadas à permanência durante toda a vida (e não em conteúdos, de média validade, decorados para os exames), concretamente através do acesso à fruição das áreas de expressão artística (dança, música, poesia, plásticas, cinema, teatro e outras), cada uma per si ou através da necessária interdisciplinaridade – não para que obrigatoriamente se aperfeiçoem artistas, mas para que se formem públicos habilitados, compostos por cidadãos sensíveis, solidários, responsáveis.
Tudo isto em prol de uma Escola Pública de qualidade, para todos. A velocidade a que Nuno Crato destruiu o que tínhamos de bom terá de ser dobrada por Tiago Brandão Rodrigues, porquanto sabemos ser mais fácil demolir do que edificar. Nisso, a que muitos têm tentado chamar precipitação, tem o meu total apoio. Sim, senhor ministro!

José Rafael Tormenta


  
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