Comecemos por Marx e Engels, em «A Sagrada Família»: “As ideias nunca podem levar para além de um velho estado do mundo, mas sempre apenas para além das ideias do velho estado do mundo. As ideias em geral nada podem realizar. Para a realização das ideias são precisos os homens, que põem em ação um poder prático”. Jean-Marie Gustave Le Clézio, Nobel da Literatura em 2008, pode aqui invocar-se: “A linguagem é perigosa, quando se basta a si mesma” («L’Inconnu sur la Terre», 1978). Sou amante da beleza que se desprende de boa e edificante literatura. No entanto, não são as palavras, unicamente as palavras, que determinam o processo histórico. Este precisa do querer, da vontade, da generosidade das pessoas. O real não se transforma apenas com palavras, requer condições objetivas e subjetivas que permitam a transformação desejada. Fábio Faria, jogador do Benfica emprestado ao Rio Ave, anunciou publicamente, na sede do Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol (SJPF), o abandono da carreira de futebolista, devido a graves problemas de saúde. Com 23 anos, defesa central de muitos méritos, pôs fim, por conselho médico, à sua profissão de jogador, iniciada no F.C. do Porto. “Hoje é um dia muito triste na minha vida. Custa muito” – e a emoção tomou-o, com as lágrimas a nascerem-lhe do rosto. Ao lado, Joaquim Evangelista (presidente do SJPF), o presidente do S.L. e Benfica (Luís Filipe Vieira), o pai do jogador e outras individualidades relacionadas com o futebol. De salientar as palavras de Luís Filipe Vieira: “O jogador foi contratado em junho de 2010 e tem contrato até 2015. O Benfica pagará tudo até ao fim”. Joaquim Evangelista, sempre a delinear rumos sensatos à insaciada juventude dos jogadores, afirmou: “Não é o caso do Fábio, mas, muitas vezes, os jogadores não pensam no futuro. Ainda há poucos dias, um estudo inglês revelou que a maioria dos jogadores entra em processo de falência após deixarem os relvados”. Este é o futebol em que eu acredito: é competitivo, é espetacular, tem emoção e beleza. Mas é acima de tudo fraterno e procura corporizar aqueles valores, sem os quais impossível se torna viver humanamente. Ocorrem-me as palavras de Nietzsche: “A maneira mais simples de corromper um jovem é ensiná-lo a respeitar mais aqueles que têm opiniões iguais às suas do que aqueles que têm opiniões diferentes das suas”. Para muita gente que se diz desportista, é coisa de somenos apoiar o Fábio Faria como fizeram o SJPF e o Benfica. Para mim, este é o futebol em que eu acredito: humano, antes do mais! E é por ser humano antes do mais que ele é belo e espetacular e competitivo! Quando escrevo que, para mim, não há “periodização tática”, mas “periodização antropológica e tática”, quero dizer que o futebol não é só uma atividade física, é verdadeiramente uma atividade humana. E porque é humana, a tática não diz tudo sobre o que o futebol pode ser como forma superior de humanização.
Manuel Sérgio
|