As escolas do município do Rio de Janeiro têm vivenciado um processo que tem gerado questões complicadas com a implementação do ensino religioso. Mesmo na modalidade facultativa, a oferta se tornou uma imposição na escola em que atuo, uma vez que essa “disciplina” tem se configurado em atividades que “ocupam” o estudante, sendo a autorização dada pelos seus responsáveis por não terem disponibilidade para que os estudantes saiam mais cedo das escolas para casa. Esse quadro se reforça uma vez que o horário de planejamento reservado aos professores do 1º segmento do ensino fundamental conta com os horários em que suas turmas seriam atendidas pelos professores da referida disciplina. O termo “facultativo”, ressaltado na Lei do município n° 5.303, de 19 de outubro de 2011, é posto em xeque nas ações concretas no cotidiano escolar. Através de conversas que venho tecendo com estudantes da escola onde leciono, soube que algumas “táticas” surgiram, criadas por eles mesmos, com a finalidade de subverter o modo desta implementação. Perguntei a uma estudante como estava se dando a relação da turma com a disciplina em questão, ao que me respondeu que a maioria da turma optara pelo ensino de religiões de “matrizes afro-descendentes” (expressão utilizada na rede municipal de ensino), por duas principais motivações: porque a escola recebeu apenas dois professores, uma representante do catolicismo e outro das religiões protestantes, o que permitiria que os estudantes ficassem em “tempo vago”, uma vez que não havia nenhum professor representante da religião de interesse deles; e porque eles já conheciam as religiões ditas cristãs e protestantes, e por isso tinham interesse em conhecer, através de um praticante legítimo, as religiões afrodescendentes, pois consideravam que muito do que se fala dessas religiões fica no campo do exótico e misterioso. A saída encontrada pelos estudantes, depois de algum tempo, foi “solucionada” pela secretaria, dando a disciplina aos professores lotados na escola para que ministrassem as aulas demandadas, sem serem daquela matriz. Importa ressaltar que o modo como os estudantes se posicionaram demonstra que eles compreendem as tensões nos processos de alteridade no momento em que um representante de uma determinada religião fala de outra. Torna-se óbvio que o tratamento ao outro será dado como opositor, gerado pelos fundamentalismos que fazem emergir questões sérias, como a intolerância religiosa, na atualidade. E mais: que a ideia sobre o outro pode ser expressa de modo subalterno ou externo àquilo que seria entendido sobre determinada religião. No entanto, nas pesquisas com os cotidianos percebemos que formamos e somos formados em redes de conhecimentos e significações. As variadas relações sociais concatenam muitos fundamentalismos – como este caso – que atravessam os cotidianos escolares. Por esta razão, debater acerca dessas questões tem se tornado importante para todos os segmentos sociais, sendo as escolas e outros contextos educativos importantes espaços-tempos de tessitura de conhecimentos e significações e, principalmente, geradoras de encontros entre diferentes. Encontros importantes para os processos de alteridade, formativos e por que não espaços-tempos capazes de oferecer o apelo ao diálogo e a vivência com o outro – cada vez mais necessário em busca de dirimir questões postas nas relações entre os indivíduos de todo o mundo.
Rebeca Brandão
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