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Tutorias

Lenha verde não acende.
Quem não estuda não aprende.
(vox populi)

Para além das tradicionais aulas (teóricas, teórico-práticas e laboratoriais), “sob o manto diáfano de Bolonha”, impuseram-se as orientações tutórias nas designadas “horas de contacto”. A sua contabilização horária tem sido tema recorrente nas sobrecarregadas agendas do Conselho Técnico-Científico.
Discussões que se arrastam em confrontos nem sempre com dispositivos técnicos e científicos no esgrimir de posições divergentes. A argumentação é, frequentemente, ligeira e básica.
– O tempo que levo na moodle e a responder aos e-mails dos alunos também entra nessas contas? – intervém uma net-colega de vida cronometrada e de pendor colaborativo.
O acalorado debate termina, invariavelmente, com mais uma redução da componente lectiva. Nessa engenharia curricular consegue-se que uma UC de 135 horas acabe reduzida a um terço no horário do docente/turma – trêshoras/semana, isto é, 45 horas de contacto efectivo e obrigatório, uma vez que a métrica no Superior faz de 15 semanas um semestre!
Na retórica bolonhesa, as orientações tutórias permitem um acompanhamento mais individualizado dos estudantes, orientando-os no desenvolvimento dos trabalhos de avaliação, na preparação das apresentações orais, na selecção criteriosa das suas leituras, enfim, na aquisição de novas “competências”...
Sim, este modelo de proximidade aspira generalizar uma metodologia de sucesso praticada, há décadas, em algumas universidades de referência (Oxford e Cambridge, entre outras). Só que a nossa “superior” cultura académica nada tem a ver, em termos de arquitectura escolar e de modelos pedagógicos, com esses contextos anglo-saxónicos; por cá, privilegia-se o oposto, o “rebanho” – aulas em anfiteatro, salas a abarrotar, ausência de gabinetes individuais, distanciamento e impessoalidade nas relações professor-estudante.
E isso já vem do Básico & Secundário, onde o trabalho de grupo é residual, o ensino individualizado uma miragem e a ênfase é colocada no “produto”, ou seja, nos testes e no exame. Uma vez chegados ao Ensino Superior, a “reconfiguração”, para muitos, leva o seu tempo e não é fácil.
A tutoria, ao colocar o acento tónico no “processo” (de uma avaliação que se quer, de facto, contínua), exige encontros regulares entre o professor e os discentes (individualmente ou em pequeno grupo). E tal pressupõe que, de preferência, os estudantes comecem a trabalhar logo no arranque do semestre (já que se trata de um ciclo de duração curta). Mas de nada valem os repetidos avisos do docente e os bons intentos vão sendo protelados, no velho hábito luso de tudo “deixar para o fim”; as fugas às tutorias procuram evitar o confronto personalizado com o docente (percepcionado sempre como avaliador), pois muitos dos estudantes ainda não pensaram seriamente no tema do trabalho, alguns receiam evidenciar as suas enormes fragilidades (fruto da vacuidade bibliográfica) e outros há, os tímidos e os inseguros, que, faltando-lhes o “resguardo” do rebanho-turma, temem esse face-to-face com o Prof. S.
Quando os “distraídos” (ou serão mesmo madraços?) “caem na real”, começa o pânico: no ultimar dos trabalhos de avaliação, ao relerem o documento sobre os “requisitos mínimos” da UC, alojado na moodle pelo Prof. S. desde o início do semestre, dão-se conta de que estão em falta, visto que lhes é exigida a “presença em, pelo menos, uma sessão de tutoria”, caso contrário, terão de ir a exame.
Chovem então e-mails a solicitar, com urgência (!), a marcação da dita. Na derradeira semana de aulas, faz-se bicha à porta do gabinete para sessões ininterruptas de tutoria apressada; lá dentro, sala atulhada de gente, pois os colegas de departamento vivem uma situação mais ao menos semelhante. E assim se esvaem os bons propósitos pedagógicos das orientações tutórias. O Prof. S. está, portanto, mais uma vez condenado a ler, anotar, corrigir e classificar uma catrefada de trabalhos pindéricos.

Luís Souta


  
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