Da visão tradicionalista da Pedagogia Social à nova Educação Social Pedagogia Social e a Educação Social vão muito para além da lógica da Escola, embora lhe sejam reconhecidamente úteis como microcosmos da sociedade, aproximando-se da Antropologia da Educação, que se foca na aprendizagem e nos processos educativos além da Escola.
A Pedagogia Social como teoria orientadora e a Educação Social como prática do desenvolvimento da sociabilidade dos sujeitos surgem, em Portugal, inseridas no campo educativo e, particularmente, no domínio das Ciências da Educação. Contudo, não respeitam nem à formação de professores nem ao uso de didáticas escolares. Por outro lado, é hoje comum afirmar-se que toda a educação é social. Mas não faria sentido apelidar de social, se não houvesse necessidade, uma educação que se distingue, pela fundamentação e pela praxis, daquilo que designamos por educação escolar. Urge, pois, clarificar qual a parte do universo educativo que corresponde ao objeto próprio da Pedagogia Social como matriz orientadora da Educação Social. Numa visão mais ou menos simples e resumida, diremos que a Pedagogia/Educação Social se dirige, essencialmente, a processos e fenómenos socioeducativos que, de acordo com Romans, Petrus e Trilla, “compartilham, no mínimo dois dos três seguintes atributos: 1) dirigem-se prioritariamente ao desenvolvimento da sociabilidade dos sujeitos; 2) têm como destinatários privilegiados indivíduos ou grupos em situação de conflito social [que alargamos a tensões sociais que são prévias ao conflito que corresponde ao “final da linha”]; 3) têm lugar em contextos ou por meios educativos não formais [aquilo que designamos, modernamente, por não escolares]”. Efetivamente, a Pedagogia Social e a Educação Social vão muito para além da lógica da Escola (a forma escolar de Bourdieu), embora hoje sejam reconhecidamente úteis à Escola como microcosmos da sociedade, aproximando-se da Antropologia da Educação, que se foca na aprendizagem e nos processos educativos para além da Escola. Diltey dizia que a Educação é uma função de toda a sociedade, o que obriga a pensarmos numa pedagogia menos centrada na Escola e mais pensada nas relações sociais e noutras instituições e espaços educativos, que, porém, podem e devem trabalhar em rede com a instituição escolar, uma vez que o objetivo de uma sociedade e de toda a humanidade passa pela participação nas atividades sociais e na obrigatória reconfiguração identitária das identidades pessoais, de forma a potenciar a convivência, que é, grosso modo, aprender a viver entre diferentes. Um dos fundadores da Pedagogia Social, Natorp, refere-se não só à educação individual das pessoas, mas também à educação do Homem em comunidade – a convivência, tão estudada por Jares na sua pedagogia da convivência.
Escola e Educação Social. A visão tradicionalista da Pedagogia Social orienta-a para a educação não escolar, a educação de adultos e da terceira idade, a inserção social de pessoas com necessidades educativas especiais ou deficientes e a ação socioeducativa. Nesta linha, há um predomínio da Educação Social enquanto campo especializado, essencialmente, na inadaptação e na marginalização, aproximando-se das intervenções sociais de cariz essencialmente resolutivo. A partir dos anos 80/90 do século XX, e com as novas conceções inter e multiculturais, pensadas no contexto das várias globalizações, passou a aceitar-se que educar para a participação social implica, antes de mais, agir sobre as perspetivas cognitivas e afetivas das pessoas, o que significa agir sobre as identidades pessoais e sociais e provocar mudanças/transformações nas famílias, nas relações com os colegas e pares, nas instituições escolares e extraescolares, de forma a construir cidadanias múltiplas e sociedades inclusivas, que, contendo diferenças socioculturais, contudo, são capazes de comunicar. Este posicionamento aposta mais na prevenção e no processo educativo global, ao construir competências sociais fundamentais para as relações pessoais e profissionais frente às diferenças pessoais e culturais, aproximando-se das perspetivas da mediação intercultural e da assunção das tensões sociais e dos conflitos sociais como formas básicas da vida em sociedade, com as quais há que aprender a viver, gerindo e não tanto resolvendo. Aí está o espaço aberto para a Educação Social, alimentada pela Pedagogia Social e pelas novas mediações que extravasam as da resolução de conflitos e que se desenvolvem, prioritariamente, do outro lado da Escola. Portanto, reduzir a Educação à educação escolar seria ver apenas uma parte da realidade. Romans, Petrus e Trilla referem mesmo que “a escola não é a reserva natural da formalidade e do rigor pedagógicos. As outras educações, as mal chamadas educações informais ou não formais, podem ser mais formais do que a própria escola. Existe, de facto, apenas uma educação (...). A educação é global, é social e acontece ao longo de toda a vida. Se o objetivo da educação é capacitar para viver em sociedade e comunicar, é preciso admitir que, em algumas ocasiões, a escola adota uma atitude de reserva frente a alguns comportamentos sociais dos alunos. É por isso que a Educação Social nasceu para completar objetivos não assumidos pela escola (ou, quem sabe, a escola nasceu para completar a educação social)”. Assim, a Educação Social tem de refletir, também, acerca da sua própria intervenção e questionar-se por que se faz de uma maneira e não de outra, por forma a incidir nas causas dos problemas para poder prevenir as razões que geram tensões e conflitos e não atuar apenas no final da linha.
Ana Vieira e Ricardo Vieira
Referências Ana Vieira: «Educação Social e Mediação Sociocultural», Profedições (2013) Isabel Baptista: «De que falamos quando falamos em Pedagogia Social», A Página da Educação no 175 (2008) M. Romans, A. Petrus e J. Trilla: «Profissão Educador Social», Artmed (2003) P. Natorpe: «Pedagogia Social: teoria de la educación de la voluntad sobre la base de la comunidade», Madrid (1913) Raul Iturra: «Fugirás à Escola para Trabalhar a Terra», Escher (1990) Ricardo Vieira: «Entre a Escola e o Lar: o currículo e os saberes da Infância», Fim de Século (1998) Xesús Jares: «Pedagogia da Convivência», ProfEdições (2007)
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