O trabalho com a poesia nas escolas é de grande relevância, tendo em vista a formação do leitor crítico, atuante, construtor de múltiplos significados. Nesta perspectiva, alguns aspectos precisam de ser considerados. Um deles diz respeito ao despreparo do professor.
Iniciando-se no âmbito familiar, a formação do leitor acontece principalmente na Escola, em um processo contínuo, tendo como primeiros mediadores bibliotecários e professores. Esse leitor deve ser compreendido como um indivíduo que estabelece uma relação profunda com a linguagem, com as significações, e que experimenta o gosto e o prazer pela leitura. Através da leitura, é possível instruir, educar e também divertir. Ao pensar na Escola enquanto espaço privilegiado de formação de leitores, tendo o professor como mediador das experiências leitoras, faz-se necessário refletir sobre a importância de se trabalhar com diferentes categorias textuais, para que esse leitor em formação estabeleça relações significativas entre a leitura e as situações comunicativas. Uma dessas categorias é a poesia. Muitos professores trabalham com a poesia infantil por ela ser geralmente curta e de fácil aplicação em sala de aula e por apresentar estruturas que brincam com o ritmo e a musicalidade, tornando-se muito atrativa às crianças – textos poéticos mais complexos, de poetas nacionais e estrangeiros, e utilizados em faixas etárias mais altas, sobretudo nas últimas classes do ensino primário, são um poderoso fator para o domínio da língua.
Centelha. A poesia, antes de tudo, é a transfiguração da realidade em expressão de beleza e de contemplação emocional. Ela desperta a sensibilidade e os valores estéticos. Aprimora as emoções e a sensibilidade, aguça sensações. Brinca com múltiplos significados, materializa o prazer, torna a criança e o adolescente receptivos às manifestações de beleza. É comunicação, fonte de saber. É profundidade. A poesia exige introspecção porque joga com múltiplos sentidos, realçando signos e significantes. O poema demanda de seu leitor um olhar mais atento, uma ativa mobilização do lado intelectual e afetivo, requerendo um entrelaçamento contínuo de emoções e desejos, juízos e considerações. Incompatível com a passividade, a poesia leva o aluno a se perceber como sujeito construtor de significados, aquele que não se contenta com as versões recebidas, mas que questiona e transforma a realidade interior e exterior. No aluno, a poesia pode ser a centelha que deflagrará o encantamento, a inspiração, a fantástica capacidade de surpreender-se, de maravilhar-se. A poesia propõe a abertura para as diferenças. É um jogo com os sons, os ritmos, os conceitos, as experiências. A poesia não pode ser ensinada, mas vivida: o ensino da poesia é, assim, o de sua ‘descoberta’. Justamente por isso, ela exige uma ‘iniciação’, pressupõe um método próprio, um seletivo trabalho com os textos destinados a propiciar sensações que correspondem à criação do ‘estado poético’ no aluno, permitindo a expansão de sua criatividade e ampliando sua compreensão do real.
Dificuldades. O ensino da literatura, tanto no ensino fundamental quanto no médio, é realizado, geralmente, de forma empírica. O desconhecimento dos processos literários e, muitas vezes, dos próprios textos que poderiam mais facilmente chegar aos alunos – das primeiras às últimas classes – se torna mais evidente quando se trata de poesia, gênero mais difícil e pouco cultivado entre os leitores, e até professores. As dificuldades encontradas pelos professores em atingirem as crianças e adolescentes, conduzindo-os ao gosto pela literatura, e pela leitura, se tornam, no caso da poesia, altamente críticas. Por outro lado, se o trabalho desenvolvido nas universidades destinadas a preparar os futuros professores de língua e literatura enfatiza algumas questões específicas do processo literário, permanece a dificuldade do adequado tratamento metodológico para o assunto. E nesse passo surge outra dificuldade sensível – a incerteza quanto ao próprio estatuto de uma poesia para a infância e a adolescência, discutível, ao lado da evidência da necessidade de se graduarem as descobertas linguísticas, psicológicas, sensoriais, etc., na medida do próprio ritmo do desenvolvimento e dos interesses do aluno. A preocupação com o destinatário (jovem) torna-se, no caso da poesia, extremamente delicada, uma vez que a criação de uma sensibilidade para a arte, e para a criação em geral, independe dos ‘temas’ por ela veiculados, sendo muito difícil dizer que este assunto, e não aquele, pode ser apreendido poeticamente pelos alunos.
José Miguel Lopes
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