1. “Você sabia que a indisciplina dos alunos é um dos principais problemas que os professores enfrentam em sala de aula? Mais até do que os baixos salários? Quem diz isso são os próprios professores, em uma pesquisa inédita com profissionais da rede pública de todo o país.” [apresentadora do Fantástico, programa da Rede Globo de Televisão, apresentado no Brasil nas noites de domingo]
2. Da mesma forma que pesquisas têm mostrado que a indisciplina é um dos maiores desafios enfrentados pelos professores, ao longo de minha trajetória profissional na educação também venho percebendo o quanto sofremos com problemas relacionados a ela. Falar sobre indisciplina tem se tornado quase uma condição sine qua non do magistério contemporâneo brasileiro: onde há professores, há conversas sobre indisciplina, especialmente sobre as dificuldades que cria para se cumprir a função de ensinar. Entretanto, mesmo que a indisciplina esteja cada vez mais presente no dia a dia das escolas e que situações relacionadas a ela causem tanto mal-estar, parece que falar de disciplina não tem sido permitido nos discursos considerados “politicamente corretos”. É como se tivéssemos aprendido que a educação libertadora, que fomos convencidos a almejar como modelo ótimo de educação, não combinasse com práticas disciplinares.
3. Motivada por esse paradoxo, me propus a descrever e analisar em minha dissertação de mestrado os discursos sobre disciplina postos em circulação na produção acadêmica da área de Educação no Brasil. Isso porque concordo que eles, assim como outros discursos, constroem as verdades compartilhadas pelos profissionais da educação. Afinal, a academia possui legitimidade para dizer o que pode ou não ser aceito como verdadeiro sobre diferentes assuntos. Contribuições teórico-metodológicas da teorização foucaultiana sobre discurso e disciplina subsidiaram as análises de minha pesquisa e permitiram identificar a existência de uma ordem discursiva que regula a produção, a natureza e a circulação dos discursos sobre disciplina. Ordem que aceita como verdade, tanto a identificação da disciplina como algo negativo e inadequado ao contexto atual, quanto ventila a possibilidade de uma “nova disciplina” que não teria como objetivo a fabricação de corpos dóceis e submissos, porém ainda sem estratégias metodológicas muito claras. Isso permitiu que fosse possível inferir que tal ordem discursiva pode estar limitando as possibilidades de ensinarmos às crianças os comportamentos esperados delas enquanto estudantes, implicando, entre outras coisas, o aumento da indisciplina. Fato que pode estar acontecendo, ou por medo de nos tornarmos professores retrógrados, ou por não sabermos como colocar essa nova proposta disciplinar em ação.
4. Baseado nisso, proponho a possibilidade de pensarmos sobre disciplina de outros pontos de vista, pois acredito que, da mesma forma que determinadas condições possibilitaram que certos discursos fossem tomados como verdadeiros, outras condições podem fazer com que discursos que hoje são considerados raros possam vir a pertencer à ordem discursiva. Isso será possível, a meu ver, se nos dermos conta de que se as verdades são inventadas/fabricadas, como nos ensina Foucault, são sempre passíveis de problematização e reinvenção. Faço tal proposição na busca de pensarmos em formas produtivas de enfrentar o desafio cotidiano de ensinar, algo especialmente complexo na atualidade.
Mônica Knöpker
Nota Dissertação de mestrado (2014): “Socorro, eu não consigo dar aulas! Discursos sobre disciplina na produção acadêmica contemporânea da área da educação” Michel Foucault: «A ordem do discurso», «Microfísica do poder», «Vigiar e punir: o nascimento da prisão»
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