A subescolarização da população portuguesa adulta não se limita a ser uma referência estatística intensamente discriminatória face às competências escolares dos outros países da comunidade europeia. Os seus efeitos sobre as condições de vida da população excedem largamente a feição simbólica dos números.
Segundo a imprensa oportunamente noticiou, reproduzindo palavras da douta Ângela Merkel, Portugal teria licenciados a mais. Este excesso de qualificação académica por parte da população portuguesa, na perspetiva de sua excelência, era particularmente responsável pela nossa falta de compreensão do sistema educativo alemão, uma vez que impedia os portugueses – com exceção do ministro Crato – de compreenderem o significado do ensino vocacional, o achado mais precioso da vocação germânica no domínio do sistema educativo. Não obstante a boçalidade rotunda expressa nesta opinião, nenhum dos responsáveis políticos portugueses do círculo maior do poder assumiu o incómodo de afrontar a dama, reclamando, no mínimo, o respeito devido a dois princípios básicos da prática democrática entre os povos: a não ingerência nos negócios internos de um povo soberano e, porventura mais do que isso, a simples obediência à verdade dos factos. É que, “de acordo com dados do gabinete de estatística europeu, em 2013, 25,3% da população da União Europeia entre os 15 e os 64 anos tinham completado estudos superiores, enquanto a percentagem portuguesa era de 17,6% e a alemã de 25,1%” (Diário de Notícias, 04.11.2014). Mas há números mais gritantes contra a ignorância prepotente da chanceler. Por exemplo, “entre os 25 e os 64 anos, apenas 40% dos portugueses têm o Ensino Secundário completo” (Público, 19.05.2014) e, segundo M. J. Valente Rosa, Portugal “é o último da tabela dos 28 países. A média dos países ultrapassa os 75%”. Se analisarmos o nível de escolarização da população trabalhadora portuguesa por conta própria, a comparação com a média europeia é aterradora: 71% dos trabalhadores não têm Ensino Secundário contra uma média europeia de 24%. Para os trabalhadores por conta de outrem, a desproporção, sendo menor, continua a ser brutalmente significativa: 50,4% contra 17% da média europeia.
Consequências dramáticas. A subescolarização da população portuguesa adulta não se limita a ser uma referência estatística intensamente discriminatória face às competências escolares dos outros países parceiros da comunidade europeia. Os seus efeitos sobre as condições de vida da população excedem largamente a feição simbólica dos números para assumirem consequências dramáticas sobre o quotidiano da sua existência. Segundo a já citada Valente Rosa, “nós trabalhamos muito mais horas, porém, estamos em 21º lugar em termos de produtividade e, na minha opinião, isso deve-se às baixas qualificações dos portugueses. Quando constatamos que quase 71% dos trabalhadores por conta própria têm apenas o Ensino Básico, percebe-se onde é que estão os obstáculos”. Na verdade, se considerarmos a produtividade laboral por hora de trabalho, segundo a referência de 100, Portugal fica-se pelos 65. E os efeitos da baixa escolaridade da população portuguesa podem ainda reconhecer-se nos níveis de repetência dos atuais estudantes ou do abandono escolar. Segundo a OCDE (relatório de 2014), um em cada três estudantes com menos de 15 anos já chumbou pelo menos uma vez. Como é óbvio, as famílias de baixa escolaridade têm tendência para não valorizar o rendimento escolar dos filhos, o que estará na origem da desmotivação e, consequentemente, da repetência e do abandono. Para a patroa europeia e para todos os responsáveis que lhe ofereceram o seu “respeitoso silêncio”, nada disto merece destaque face ao nosso “excesso de licenciados”. Ou será que é, precisamente, “isto” que preocupa suas excelências? Então, a solução parece óbvia – exportem-se os licenciados, reduzam-se drasticamente as universidades e multipliquem-se germanicamente as escolas vocacionais... Se algum cinismo me fosse consentido, diria que é isso que se perfila.
Manuel Matos
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