Para Maximina e Bernardete, minhas colaboradoras
“Em casa de ferreiro, espeto de pau” é um ditado popular com significado implícito: presumivelmente, uma pessoa versada (ou que adquiriu experiência) no exercício de uma atividade ou profissão utiliza a sua competência em benefício do próximo; contudo, parece não a utilizar em circunstâncias que lhe seriam benéficas ou úteis. Era-me impossível escrever este texto sem consultar as senhoras que colaboram comigo com ideias e alternativas. Comentam elas que, quando estão em casa, os maridos dizem: cozinhar é coisa de mulheres; nós trazemos o dinheiro que elas usam para comprar os alimentos. E o trabalho delas, não contribui para as compras? Não haverá uma igualdade nas atividades? Acontece em várias aldeias que tenho estudado, no velho e novo continente. Os pais, como aqueles maridos, não desejam colaborar na aprendizagem dos seus descendentes. Pensam que ir à escola é suficiente e esperam os resultados – como os maridos esperam o almoço. Assistir apenas às aulas não rende, é um mau cozinhado; as crianças precisam de ler e escrever em casa, com adultos, e levar os textos para a escola, para serem analisados pelos docentes. Os pais, como aqueles maridos, são convocados para lhes explicarem que as crianças parecem estudar, mas não aprendem – um mau cozinhado, como os que são feitos pelo Ministério da Educação. Como os maridos das senhoras, chegam a casa com raiva e ordenam que o estudante leia: Pega no livro! Estímulo que mais bem pune do que anima: ou cozinhas comigo ou não há almoço... Falta de estímulo, num país em que todos adoram ser denominados doutores. As senhoras não levam os maridos à cozinha para aprenderem a trabalhar com elas. Os pais não leem livros, apenas o jornal que fala da bola, que vão comentando com os pequenos punidos, sem um sorriso. Como as senhoras, sem nenhuma sedução para levarem o companheiro a trabalhar com elas. Como as senhoras, os pais não ensinam Botânica, Zoologia ou Matemática usando a natureza que os rodeia, usando pequenos animais para explicar o funcionamento do corpo ou o curral de vacas para explicar como se obtém o leite. Como as senhoras que encurralam os maridos para os cozinhados, e eles fogem, os pais usam os livros com desenhos, como na escola, para o estudo da História, sem aproveitar a diversidade de construções que existem em aldeias e vilas, sem comparar as casas de cimento com as de pedra e sem entender cronologia. Pais que passam por aldeias e vilas sem reparar que elas são livros abertos, como a cozinha para o jantar. Portugal tem das universidades e escolas politécnicas mais antigas da Europa, de quando o Marquês de Pombal fez a sua própria revolução industrial, importada da Alemanha – não era conveniente, para os proprietários, ter jornaleiros instruídos. Haveria que gastar mais capital variável (dinheiro) do que o que Nuno Crato tenta poupar, neste ano letivo 2014-2015, para compensar os lucros arrecadados por jornaleiros instruídos que laboram após os estudos escolares. E os pais poderiam dizer Pega no livro!, se a aldeia fosse uma história por eles conhecida, que explicariam com nomes e datas. Como as senhoras não levam os maridos dizendo-lhes querido, preciso da tua ajuda, estou cansada do trabalho da semana, os pais não perguntam queres saber de quem era esta casa? Como o cozinhado das senhoras é o livro para ensinar maridos, a vila ensina o rapaz. Em casa de ferreiro, espeto de pau... Por não se usarem os contextos em que se vive e sobrecarregar mulheres e crianças que querem viver em paz, sem culpa pela preguiça de maridos e de pais.
Raul Iturra
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