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“Paths of Glory”: a guerra nua e crua

“O carácter intensamente impensável de algo tão vazio e tão infame na época em que temos vivido e que temos considerado como se fosse um alto de refinada civilização; descobrir que, afinal, trazia esta abominação no seu sangue, é como reconhecer, de súbito, que o nosso círculo familiar ou o grupo de melhores amigos é uma corja de assassinos, burlões e vilões – é pura e simplesmente um choque semelhante”.
Henry James

“A arte pode e deve intervir na História” (Roland Barthes). Horizontes de Glória é um filme de Stanley Kubrick (1957) passado durante a I Guerra Mundial. Por isso, e não só, merece ser lembrado em ano de centenário. Adaptação de um romance escrito por um veterano da guerra, Humphrey Cobb (1935), mereceu a honra de ser proibido em Portugal até ao 25 de Abril, em França até 1975 e em Espanha até 1986, onze anos após a morte de Franco.
O livro teve um sucesso menor aquando do lançamento e conta a história verídica de quatro soldados franceses que foram executados para dar o exemplo às tropas. Foi adaptado ao teatro, na Broadway, sem grande sucesso, e Kubrick e os seus associados compraram os direitos à viúva por 10.000 dólares.
Tão chocante como foi há quase 60 anos, o primeiro grande filme de Kubrick continua a despertar a ira contra a hipocrisia militar. Absolutamente fabuloso em termos formais – já sei que quando falo em Kubrick esgoto adjectivos –, com montagem paralela impressionante das cenas de guerra, um argumento rigidamente controlado e um desempenho poderoso de Kirk Douglas, Paths of Glory é, sem dúvida, uma obra-prima.
Nas suas memórias, Douglas conta um episódio da rodagem que já demonstrava a obsessão de Kubrick pelo controlo absoluto da produção: “Ele fez o veterano Adolph Menjou repetir uma cena 17 vezes. "Este foi o melhor", disse Menjou, "acho que podemos ir almoçar agora”. Já passava bem da hora habitual, mas Kubrick queria outro take. Menjou ficou furioso: na frente de Douglas e de toda a equipa, insultou Kubrick, a mãe e toda a família e referiu-se à sua pouca idade e falta de experiência. Kubrick ouviu calmamente e disse baixinho: “Ok, vamos tentar a cena outra vez”. Com docilidade absoluta, voltou a trabalhar. “Stanley sabia instintivamente o que fazer”. Por estas e por outras, quando Kubrick morreu, Douglas referiu-se-lhe como “a son of a bitch with talent”.
Curiosidade: o filme foi rodado na Baviera, num palácio perto de Munique, e a única personagem feminina – a mulher que canta, numa cena arrepiante, “The Faithful Hussard” – foi interpretada pela actriz alemã Christianne Harlan, creditada no filme como Susanne Christian, que mais tarde casou com Kubrick, tendo vivido juntos até à morte do realizador, em 1999.

P.S. Depois de Bergman, Ozu e Satyajit Ray, em Fevereiro vamos ter a visita de Roberto Rosselini... Amantes do cinema, “a vos places!”

Paulo Teixeira de Sousa


  
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