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A mediação intercultural como prática da Pedagogia Social

A mediação intercultural atravessa os vários domínios do social e as mais variadas formas de mediação, distanciando-se da pura resolução de conflitos e posicionando-se numa perspetiva preventiva e, essencialmente, transformadora das relações sociais.

Sempre que se fala em mediação, é comum emergir, em primeiro lugar, a ideia de posição intermédia, da presença do terceiro termo, que se refere ao mediador como pessoa ou à equipa que assume a função de ponte, ligação ou catalisador dos processos de mediação. A terceira parte pressupõe e condiciona a existência de duas partes: “A estrutura ternária implica abertura, uma vez que o terceiro rompe a dualidade em que os dois seres se encontram envolvidos” (Torremorel) e é para eles um ponto de referência comum.
Efetivamente, a mediação implica a construção de terceiros lugares, mas estes não têm, necessariamente, de ser um ponto equidistante entre as partes. Se na mediação jurídica, esse lugar, que continua a ser uma terceira posição, se cruza com a apregoada imparcialidade, na mediação intercultural, que além de preventiva se assume como transformadora da sociedade e construtora de espaços de (con)vivência, estamos perante um novo paradigma, assente na pedagogia social. Como sublinham Carvalho & Baptista, “os educadores sociais surgem, neste sentido, como mediadores profissionais, como promotores de laços sociais numa perspectiva criativa e renovadora que não se confunde com a concepção de mediação de tipo curativo ou preventivo”. Ainda de acordo com estes autores, numa matriz de pedagogia social, “mais do que procurar minorar tensões existentes entre indivíduos ou grupos, trata-se de promover relações interpessoais positivas, impulsionadoras de atividade, de criatividade e de solidariedade. [...] Indissociável do sentido transformador evidenciado anteriormente, a mediação pedagógica é necessariamente optimista e ambiciosa. Nessa medida, ela demarca-se das práticas de simples assistência ou ajuda humanitária.”

Mediação e intervenção. Em segundo lugar, quando se fala de mediação, surge, tanto nos discursos como nos manuais, o grande dogma da neutralidade. A ideia de que é possível o profissional social ser neutro. Contudo, a única forma de ser neutro é estar morto, como nos lembra Torremorel.
A necessária empatia que o mediador intercultural tem de desenvolver com as partes envolvidas, enquanto interventor social, não lhe permite a neutralidade axiológica. Relativamente a esta questão da neutralidade, que é um dos aspetos mais polémicos da mediação, fomos assistindo, mais recentemente, à convocação do conceito de imparcialidade, em vez de neutralidade, embora alguns autores continuem a considerar tal atitude como uma abstração. Há, ainda, autores que, em vez de imparcialidade (não tomar partido por ninguém), passaram a falar em multiparcialidade, uma vez que o mediador tem de promover a escuta ativa com todos, tentar entrar no entendimento de todos, e isso não pode ser feito de forma neutral nem imparcial. Tal trabalho implica atitudes empáticas por parte do mediador, e daí a ideia de multiparcialidade.
Contudo, se entendermos a mediação intercultural no âmbito da Pedagogia Social, e mais na perspetiva reabilitadora e criativa do que preventiva ou resolutiva, nem é absolutamente de multiparcialidade que se trata. Efetivamente, para facilitar a comunicação, para fomentar a coesão social e promover a autonomia e a inserção social das minorias e dos mais fragilizados, o mediador não pode tomar a parte da cultura hegemónica, sob pena de estar a desenvolver um assimilacionismo disfarçado de neutralidade. A autonomização, o empoderamento e a advocacia dos desfavorecidos implicam um mediador intercultural que se demarque da imparcialidade, mas também das simples práticas de assistencialismo e de ajuda humanitária.
A mediação intercultural, assente num quadro de referência da Pedagogia Social, atravessa, assim, os vários domínios do social e as mais variadas formas de mediação (comunitária, escolar, familiar, laboral, jurídica, etc.), distanciando-se da pura resolução de conflitos e posicionando-se numa perspetiva preventiva, mas, também, e essencialmente, transformadora das relações sociais. De facto, o mediador intercultural não pode deixar de ser, também, um interventor social que procura mudar situações sociais que geram injustiças, carências ou revoltas, sempre com o envolvimento dos implicados, como busca da convivência (Jares) e da hospitalidade enquanto valor humano (Carvalho & Baptista).

Ana Vieira e Ricardo Vieira


  
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