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Nunca sigas alguém apenas porque parece que sabe para onde vai...

Sistemas e instituições de ensino superior têm vindo a responder aos desafios políticos, económicos e sociais, recompondo as suas missões e reconfigurando as suas formas de governação. A impressão que fica é que se está a seguir um caminho mais induzido pela vertigem reformadora do que reflexivamente considerado.

Um amigo contou-me que à saída de uma conferência, sem saber bem qual a direção do hotel em que estava instalado, viu duas pessoas que reconheceu como estando hospedadas no mesmo sítio. Caminhavam com passo determinado e a sua segurança parecia refletir o conhecimento do percurso; resolveu segui-los. Acontece que se perderam e, com eles, o meu amigo – nunca sigas alguém apenas porque parece que sabe para onde
vai, conclui ele.
Esta história poderia servir de epígrafe à questão da dissolução da ideia de educação universitária.

A dissolução da universidade. Tem vindo a ser argumentado que a educação universitária, e o ensino superior em geral, está a dissolver-se, ou mesmo a desaparecer.
Na base destes argumentos está, por um lado, a sua crescente conexão com a economia, a clientelização dos estudantes e das suas famílias e a tendência para os académicos serem substituídos por técnicos especializados na formulação de juízos de valor acerca das atividades desenvolvidas nas suas instituições. Por outro lado, a fragmentação do Conhecimento em conhecimentos e a sua deslocação das universidades como centro privilegiado da sua produção leva a que se fale também da sua dissolução. Rothblatt, nos anos 1990, falava já do ‘desaparecimento da universidade’, no sentido em que as suas fronteiras externas estariam a desaparecer à medida que as suas funções são crescentemente substituídas (ou simuladas) por outras organizações (por exemplo, a atribuição de graus por empresas ou a investigação em laboratórios não universitários).
Adicionalmente, mas não menos importante, à medida que novas formas de governação e de gestão estão a substituir os modelos colegiais e senatoriais e métodos empresariais estão a ser aí promovidos, argumenta-se que o ensino superior, sobretudo a Universidade, está também a dissolver as suas estruturas organizacionais internas e específicas.
Estas transformações têm influência sobre a própria formação/educação, cujas consequências estão ainda longe de ser claramente estudadas e identificadas.

Desde que funcione, vale tudo? Tudo parece passar-se como se os sistemas e instituições de ensino superior se envolvessem numa vertigem adaptativa, sem cuidar muito da sua própria diferença institucional e organizacional.
O desenvolvimento de mecanismos de sensibilidade às mudanças do ambiente económico e social tem vindo a assumir clara preponderância sobre a reflexão sobre essa diferença específica e identitária.
Ronald Barnett, a este respeito, identificou três tipos de atitudes: 1) deixem as fúrias no seu sono: o ensino superior, apesar de todas as críticas, continua a funcionar bem; 2) que mil flores floresçam: diferentes e diversos tipos de ensino superior e instituições poderão surgir, rompendo ao mesmo tempo com a cadeia de regulação do Estado e com a ‘grande narrativa’ moderna de ensino superior; 3) formas de vida: as tribos e territórios académicos evoluem para diferentes racionalidades e padrões de desenvolvimento num processo de diversificação sem fim.
Embora só a segunda posição corresponda mais literalmente à bandeira pós-modernista, pela rejeição das grandes narrativas fixadoras do significado de educação superior, todas elas são formas passivas de pensar a educação superior. Todas elas surgem como formas adaptativas perante as transformações do mandato político, social e educacional endereçado ao setor. Em última análise, parece que vale tudo... desde que funcione.

Construir guiões críticos. Desenvolver uma atitude ativa face às reconfigurações da educação superior implica colocar a formação de ‘seres críticos’ no centro da construção de guiões para a ação individual e coletiva e recusar a redução do pensamento crítico às competências críticas do pensamento, tão ao gosto do espírito empresarial. Se não é possível, nem desejável, legislar filosoficamente e impor politicamente uma ‘ideia’ universal de ensino superior, é possível, e desejável, assumir a tarefa de construção de uma estratégia reflexiva para o seu desenvolvimento.
Esta construção está já presente, pelo menos em potencial, em alguns trabalhos sobre o conceito de ensino superior e sobre a transformação dos modos de produção, distribuição e de consumo do(s) conhecimento(s) de (e.g. Ronald Barnett, Peter Scott, Helga Nowotny, Michael Gibbons) e bem visível nos de Boaventura de Sousa Santos, quer nas «Teses para uma universidade pós moderna», quer nos seus mais recentes contributos em «A Universidade do Século XXI». Trata-se de identificar, justificar e propor princípios básicos que possam guiar modos alternativos de pensar, organizar e desenvolver a educação superior, que não sejam meramente adaptativos em relação aos mandatos políticos e económicos dominantes para o setor. É urgente a promoção de uma atitude ativa sobre a natureza e a missão do ensino superior, dado que é o caráter emancipatório da educação aí desenvolvida que poderá estar em causa, isto é, a substituição do foco na formação do eu crítico pelo do eu empregável.
Os sistemas e as instituições de ensino superior têm vindo a responder aos desafios políticos, económicos e sociais, recompondo as suas missões de ensino, investigação e prestação de serviços à comunidade e a reconfigurar as suas formas de governação. Todavia, a impressão com que se fica é que se está a seguir um caminho mais induzido pela vertigem reformadora do que reflexivamente considerado.
E talvez se aplique aqui a conclusão da história do meu amigo: “nunca sigas alguém apenas porque parece que sabe para onde vai...”

António M. Magalhães


  
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