Falemos dos programas de Matemática, da avaliação das unidades de investigação científica, da cena bufa dos exames de Inglês ou dos exames aos professores contratados... As decisões tomadas nada tiveram a ver com a crise em que o país vive. O argumentário oficial visa, somente, ocultar um projeto político.
Nos primeiros dias de setembro, os telejornais foram-nos mostrando o que significa promover a extinção dos tribunais, sobretudo para as populações que habitam o interior do país. Nas aldeias do concelho de Boticas, quem tiver de ir ao tribunal vai ter que passar a viajar para Vila Real, tendo, por isso, que se deslocar no dia anterior e esperar que o problema se resolva de forma célere, porque se não, só terá camioneta no dia a seguir ao da audiência para a qual as pessoas foram convocadas. Três dias que se perdem, constatamos nós, estupefactos por esta incursão num país tão pequeno e, afinal, tão desconhecido. Um país onde há portugueses que viram fechar-se os seus tribunais, os seus centros de saúde, as suas escolas e outros tantos serviços, o que nos obriga a perguntar e estes compatriotas estão isentos do pagamento de impostos ou se não têm os mesmos direitos dos que habitam noutras zonas de Portugal. Se esta pergunta nos perturba, perturba-nos ainda mais constatar que, como comunidade, vivemos resignadamente este calvário. Uma resignação que se constrói fermentada pela desesperança, a qual parece justificar o modo de sobrevivência adotado por um número significativo de portugueses, na vã tentativa de passarem entre a chuva. Provavelmente, será por aqui que hipotecamos o presente, subjugando-nos à retórica de um pragmatismo que tem cor e, sobretudo, descaramento.
Na Educação é o que se sabe. O ministro dispensa dezenas de milhares de professores e afirma que nunca um governo fez tanto pela estabilidade laboral dos docentes. Este é um dos casos em que parece, apenas, que a falta de vergonha impera, já que, como lembram de forma recorrente os economistas de serviço, não há dinheiro para implementar outras medidas. Numa conversa particular, já nos disseram que o próprio Nuno Crato seria vítima de uma situação cuja origem está no tipo de gestão marcadamente despesista que os governos anteriores foram promovendo. Os cortes de que o Ensino Superior tem vindo a ser vítima são objeto de uma justificação idêntica, ainda que, neste caso, o descaramento assuma outros contornos. Diríamos que o que se pretende é justificar o desinvestimento na Educação como algo inevitável, que nada teria a ver com pressupostos ideológicos e intenções políticas. O descaramento – a admitir-se que o ministro e os secretários de Estado são descarados – não passaria de um malabarismo que, afinal, seria inerente ao exercício de um cargo político. Sabendo que este argumentário visa, somente, ilibar um ministro e um governo, para que, a coberto do pragmatismo, se oculte um projeto político que se deseja e que se pratica, também sabemos que qualquer discussão sobre o mesmo nos conduz para um terreno onde a vantagem está do lado daquele ministro e daquele governo.
Episódios reveladores. Falemos, por isso, do processo que conduziu, por um lado, à erradicação dos programas de Matemática e à imposição dos novos programas. Falemos, também, da avaliação a que foram submetidas as unidades de investigação científica do país. Falemos, igualmente, da cena bufa dos exames de Inglês, ou mesmo dos exames aos professores contratados, para mostrar que qualquer das decisões tomadas nada teve a ver com a crise financeira em que o país vive. No caso dos programas de Matemática, que na prática entraram em vigor antes de terem sido aprovados, foi a sanha persecutória e a mentalidade inquisitorial do ministro que se revelou, ignorando todo o investimento produzido e os resultados inéditos obtidos com os programas que punham em causa as suas crenças pedagógicas. A pretensa avaliação da Fundação para a Ciência e Tecnologia é outro dos episódios dramáticos do consulado de Nuno Crato, ao ponto de ser a primeira vez que vimos investigadores confessarem, nas páginas dos jornais, que não compreendiam como os seus centros de investigação foram melhor avaliados do que alguns, da mesma área científica, com que concorriam. Por sua vez, o exame de Inglês do 9º ano foi da responsabilidade de uma entidade privada, o que se estranha, tendo em conta o discurso da contenção dos gastos e a existência de uma estrutura especializada que é paga para prestar um tal serviço. A ‘prova de avaliação de conhecimentos e capacidades’ dos professores contratados foi outro dos episódios que revelam até onde podem ir os responsáveis pela política educativa deste país – não serviu para nada, a não ser para humilhar publicamente os professores, numa campanha que contou com o entusiamo mediático da imprensa, que assim pôde revelar ao mundo a desgraça que constitui termos docentes que dão erros ortográficos.
Que país é este? O’Neill descreveu-o, em 1965, como um perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes, rocim engraxado, fera cabisbaixa. Um Portugal que, por isso, seria remorso de todos nós.
Ariana Cosme e Rui Trindade
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