Os pinguins movem-se em diversos ambientes de lazer e consumo. Os avatares encontram-se e conversam através de mensagens escritas. Não há escolas nesta realidade virtual infantil, que ensina a viver de modo espetacular a consumir e a ser consumidor válido.
O Club Penguin é um mundo virtual infantil, de propriedade da Disney, com 12 milhões de usuários espalhados pelo mundo. No sítio (www.clubpenguin.com), com versões em inglês, português, francês, espanhol e alemão, as crianças são representadas por pinguins que vivem em um mundo gelado, mas bastante urbanizado e humanizado. Este ambiente, criado com fins de entretenimento para as crianças, certamente lhes ensina também muito sobre como funciona o mundo contemporâneo. Os pinguins podem mover-se por cafés, lojas, danceterias, estádios esportivos, pizzarias e outros ambientes similares, sendo importante notar que a maioria tem ligação com o lazer e o consumo. Não há escolas nesse mundo de pequenos pinguins. Nesses ambientes, os avatares encontram outros avatares com quem podem “conversar” por meio de mensagens de texto. Mas a brincadeira não se resume a isso: o consumo consiste em parte importante das atividades neste mundo virtual. Diversos catálogos espalhados e renovados cerca de uma vez por mês, oferecem roupas e acessórios para enfeitar o avatar, pets que lhe farão companhia ou objetos para decorar seu iglu. As crianças tornam-se desejosas de realizar essas aquisições, sendo que para alguns usuários isso se torna mais importante do que as interações com outras crianças. Ter as roupas mais atuais, o maior número de pets e o iglu mais bem decorado constituem os principais objetivos de algumas crianças. Elas não apenas adquirem coisas, mas se integram a um processo de consumo contínuo. O objetivo do consumo seria alimentar o espetáculo (Guy Debord, A sociedade do espetáculo), o show particular de cada um (Paula Sibilia, O show do eu). A espetacularização da vida no mundo pinguim fica mais do que evidente nessa necessidade de consumo, pois essa é a estratégia que permite exibir um avatar espetacular, singularizado por seus adornos e suas posses, capaz de concorrer com outros na busca de atenção e admiração. De acordo com Michel Foucault (Nascimento da biopolítica), a concorrência seria, nas sociedades contemporâneas, o princípio que orienta as condutas dos indivíduos. Uma concorrência irrestrita, que atravessa todo tipo de relação social. O espetáculo, alimentado pelo consumo, é uma das faces dessas vidas, vividas como processos concorrenciais. Contudo, o Club Penguin não ensina apenas a consumir e a viver de modo espetacular. Ele também ensina que para tornar-se um consumidor válido (Zygmunt Bauman, Globalização: as consequências humanas) é necessário esforçar-se para prover recursos. Por meio de diversos jogos espelhados pelo ambiente, os usuários podem ganhar moedas que os capitalizam para suas aquisições. Dito de outro modo, o Club Penguim estaria contribuindo para a produção de um comportamento empreendedor, que busca oportunidades de modo autônomo para gerar renda. Assim, parece possível afirmar que o Club Penguin alinha-se com a racionalidade neoliberal, que aponta o empreendedorismo como uma espécie de panaceia universal, capaz de superar a pobreza e promover o desenvolvimento. Esses pequenos pinguins são convocados a agirem a partir de uma lógica empresarial, que aloca esforços e recursos visando maximizar seus resultados. Desse modo, penso que o Club Penguin pode estar contribuindo para a produção de subjetividades do tipo Você S/A (Sylvio Gadelha, "Governamentalidade Neoliberal, Teoria do Capital Humano e Empreendedorismo”), capazes de assumir a concorrência como modo de vida e de fazer do espetáculo o seu habitat natural.
Karla Saraiva
|