A investigação científica é como uma planta que tem de ser regada todos os dias. Se secar, nova planta tem de ser cultivada. O que, no caso do sistema científico nacional, implica começar de novo o processo iniciado no princípio dos anos ‘90. Ou seja, a atual política do MEC poderá implicar um recuo sem precedentes, mesmo um recuo civilizacional.
Ao contrário do que possa parecer, o corte brutal nas bolsas atribuídas – que, em termos de número, nos coloca ao nível de 1998/2000 – constitui um retrocesso de cerca de 15 anos no financiamento e não afeta somente uma geração de jovens. De facto, são quatro as gerações afetadas por esta redução brutal. Em primeiro lugar, a geração mais jovem, que acabou as suas licenciaturas e almejava entrar no sistema científico, realizando investigações que conduzissem ao doutoramento; depois, a geração de jovens investigadores que concluíram o doutoramento e veem impossibilitada a continuação das suas investigações pelo corte nas bolsas de pós-doutoramento; em terceiro lugar, a geração dos investigadores que já estão no sistema há cerca de dez anos e veem os seus projetos interrompidos; por último, os investigadores seniores, integrados no sistema, que veem assim impedida a entrada de investigadores mais novos e a continuidade de outros investigadores essenciais à prossecução dos seus projetos. O sistema científico, tal como a planta carece de água, necessita de ser alimentado por jovens. A Ciência exige inovação, rebeldia, sentido de risco, aventura, características que todos reconhecemos nos mais jovens. Ao decepar várias gerações de investigadores ao mesmo tempo, o ministro Nuno Crato sabe muito bem que atira o sistema científico nacional para o fundo do poço, pois também sabe que a reconstituição do sistema implica a formação de cientistas ao longo de várias décadas.
O (des)investimento. Portugal fez um enorme percurso nos últimos anos. O gráfico ao lado mostra a evolução dos gastos por estudante no Ensino Superior e na Investigação em Portugal, Espanha e média dos países da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) (Education at Glance, 99-10). Importa ver os valores absolutos, mais do que a percentagem do PIB, porque o valor em si mesmo mostra como Portugal está muito distante dos restantes países. Pode-se observar que em 2000 Portugal e Espanha gastavam aproximadamente o mesmo. Contudo, nos dez anos seguintes, Espanha aumentou o investimento, aproximando-se da média da OCDE, enquanto Portugal manteve um crescimento quase paralelo à evolução média da OCDE e viu esse crescimento estagnado a partir de 2007. Isto é, apesar do enorme esforço realizado por Portugal, os restantes países não estiveram parados e, por essa razão, Portugal apresenta um gasto que o mantém na cauda do grupo de países considerados. E se tivermos em atenção que o período 1999-2010 não contempla os cortes dos últimos anos, constatamos que a situação se agravou. As consequências dos últimos cortes não são só sobre a vida dos bolseiros; representam também um enorme desperdício de recursos. Todo o equipamento que ficará sem uso, ou com utilização reduzida, a breve trecho estará completamente obsoleto – poder-se-ia argumentar que a obsolescência é uma consequência inevitável do tempo, mas neste caso, sem investigadores que desenvolvam projetos e que apresentem candidaturas a financiamento desses mesmos projetos para renovar esses mesmos equipamentos, a obsolescência é mais do que isso, é o definhamento completo do sistema científico. Por outro lado, os investigadores cuja formação Portugal pagou e que abandonam o país vão integrar-se nos sistemas científicos de outros países e muito dificilmente regressarão. A amargura é que estes jovens irão sentir que não servem para Portugal, mas vão ser valorizados noutros países. As condições que encontram, a estabilidade, os laços que estabelecem, serão um peso muito forte quando no outro prato da balança está o regresso a um país em que um qualquer ministro incendiário pode desfazer um trabalho de décadas.
Para quê a FCT? A Fundação para a Ciência e a Tecnologia é dirigida por um comissário executor da política destruidora do ministro. Miguel Seabra afirma que quer um sistema científico mais independente do orçamento do Estado. Mas o que significa essa independência, se não a submissão da política de investigação aos interesses das empresas? Queremos uma política científica determinada por esses interesses imediatos? E a investigação fundamental que não garante resultados imediatos às empresas, mas está na origem de muitas das aplicações que emergem anos mais tarde e fazem parte da nossa vida? Que empresas irão financiar a investigação nas humanidades e nas ciências sociais? O dislate é tão grande que revela em si mesmo a total incompreensão do que é o sistema científico num país com as características de Portugal! O presidente do Conselho Diretivo da FCT mostrou a sua determinação ideológica na trapalhada em que transformou os concursos de bolsas de doutoramento e pós-doutoramento. Além de não observar as regras que publicitou nos concursos, chovem as acusações de falta de transparência e, até, de manipulação dos resultados. Seria bom que a FCT revelasse quanto gasta nas avaliações, quanto custou o uso da plataforma SCOPUS de indexação de revistas e por que razão escolheu esta plataforma de uma empresa que tem uma posição de quase monopólio. Mas não, Miguel Seabra nada diz. Mais ainda: como é possível que não tenha a certeza sobre o número de investigadores que saem e entram no sistema? Como é possível afirmar que o financiamento se situa ao nível dos anos anteriores, quando de todo o lado surgem os investigadores a queixar-se exatamente do oposto? Para que serve a FCT? Para que serve o seu presidente?
Asfixia do sistema. Esta política só tem um resultado, que é a asfixia do sistema científico, constituído pelas universidades, politécnicos, centros de investigação e laboratórios. E já sabemos qual vai ser o fundamento: face aos cortes no financiamento, atira-se com o argumento da excelência para, posteriormente, se afirmar que não houve cortes, mas que apenas foram financiados os melhores. O Ensino Superior, paralelamente, sofre cortes que colocam em causa a sua qualidade. As dificuldades económicas e a ausência de um sistema capaz de apoiar os estudantes mais carenciados vai tornar o acesso cada vez mais economicamente elitista. Ou seja, o panorama do Ensino Superior e do sistema científico vai ser mudado sem que a povo português, as autarquias, as empresas, os sindicatos e a Assembleia da República sejam ouvidos. Como se viu até aqui, este ministro segue paulatinamente a sua política de destruição, cego e surdo a qualquer argumento. Só nos resta declarar esta equipa do MEC como non grata nos espaços universitários e politécnicos e exigir que o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas e o Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos ajam em consonância e tomem uma posição pública, com consequências, de repúdio desta política socialmente criminosa.
Pedro Oliveira
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