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Em defesa do contributo do educador social na Escola Pública

No atual cenário de progressiva precarização do espaço público, marcado também por uma grave crise do laço social, a Educação Social assume-se como uma opção distintiva e complementar de intervenção na Escola.

O fracasso na consolidação das aprendizagens dos alunos e a consequente retenção, que conduzem ao abandono precoce do sistema de ensino, constituem apenas uma das facetas do insucesso educativo que não consegue realizar o ideal democrático da Escola Para Todos e o dever antropológico de promoção da humanidade da/na pessoa do educando. Esta (ir)responsabilidade partilhada por vários atores – escolares, familiares, sociocomunitários, políticos – constitui um fenómeno que pode dar margem para estabelecer um possível nexo causal entre fracasso escolar e exclusão social, e deve ser problematizada para além da organização-Escola.
A questão está em saber como pode, ou deve, a Escola Pública interligar-se com outras estratégias socioeducativas, num quadro mais vasto de corresponsabilização social orientada para a garantia do direito à Educação. E se é verdade que não se preconiza a dissolução da Pedagogia Escolar na Pedagogia Social, não é possível àquela ficar indiferente às exigências de relação com outros modos/espaços de ensinar e aprender que a Pedagogia Social oferece. E como não se podem pedagogizar todas as soluções para os problemas da Educação, há que reinventar novas formas de intervenção socioeducativa a partir da Escola, que, longe de reproduzirem políticas educacionais de emergência ou de se centrarem em estratégias sociais remediativas de duvidosa eficácia, realizem o ideal paidêutico da promoção da humanidade de cada pessoa. No contexto atual das escolas, as intervenções educativas assumem, assim, uma dimensão social e política relevante e as opções ético-antropológicas que fundamentam essas intervenções adquirem uma importância acrescida.

Opção distintiva e complementar. No atual cenário societário de progressiva precarização antropológica do espaço público, marcado ainda por uma grave crise do laço social, a Educação Social, enquanto prática profissional que bebe na teoria-prática a que a Pedagogia Social dá corpo, assume-se como uma opção distintiva e complementar de intervenção na Escola, na medida em que ocupa um “espaço profissional desenhado no ponto de encontro, e de cruzamento, entre a área do trabalho social e a área da educação” (Adalberto D. Carvalho e Isabel Baptista, 2004).
Como prática profissional, caracteriza-se por uma intervenção sociopedagógica de índole técnica, relacional e ética com pessoas e grupos humanos em situação de vulnerabilidade e/ou em risco de exclusão social, com a finalidade de facilitar a emergência de uma pessoa (ou entidade grupal/coletiva) que seja capaz de se ‘recriar a si mesma’ enquanto, ao mesmo tempo, co-recria os ‘laços sociais’. O ‘objeto’ da intervenção é, por excelência, a própria relação educativa.
A título meramente exemplificativo, valorizar-se-ão, no contexto deste artigo, as intervenções bem-sucedidas levadas a efeito por educadores sociais em duas escolas TEIP [Territórios Educativos de Intervenção Prioritária] situadas nas zonas oriental e sul da cidade do Porto, através dos projetos “Semear para Mudar” e “Arte para Educar”. O caráter desfavorável, deprimido até, do território social, cultural e económico em que as duas escolas públicas se encontram oferece o pano de fundo necessário à compreensão da especificidade das intervenções realizadas, metodologicamente amparadas e enquadradas no horizonte de eixos temáticos que a Pedagogia Social contemporaneamente abraça: nos casos em apreço, a articulação Escola-Família-Comunidade.

Resultados satisfatórios. No primeiro caso, o projeto de promoção de competências parentais e sociais designado por “Semear para Mudar” visou mudar hábitos e rotinas de higiene e de saúde familiar, ajudar na gestão e orçamentação doméstica, além de aproximar a Família da Escola. Esta intervenção aconteceu num quadro de parceria reforçada com outras instituições locais. A avaliação dos resultados foi amplamente satisfatória: à medida que a intervenção decorria, registou-se um número crescente de encarregados de educação que procuraram os professores para se inteirarem do percurso escolar dos seus filhos; foram realizadas mais visitas domiciliárias por técnicos da Segurança Social exteriores ao projeto, que apoiaram a gestão do orçamento doméstico; verificaram-se níveis apreciáveis de aumento da higiene corporal e oral dos alunos; deu-se uma progressiva consciencialização para os riscos da violência, nomeadamente doméstica e de género, entre outros resultados.
O projeto “Arte para Educar” desafiou uma realidade de cariz multicultural, onde a agressividade social latente gerava uma conflitualidade que era transportada para o interior da escola e traduzida em comportamentos e linguagens agressivos e inadequados pelas crianças e no desrespeito frequente pelo Outro-diferente. Optou-se, então, por realizar a intervenção junto de 95 crianças que frequentavam cinco turmas do 1º ao 4º ano da escola, substituindo, uma vez por semana, os professores de cada turma na disciplina de Educação Cívica. No final da intervenção, verificaram-se três resultados que merecem destaque: uma evidente mudança comportamental dos alunos para uma maior tolerância e respeito mútuo entre pares, com influência no clima de escola; uma maior implicação dos pais nas sessões, tendo-se registado a criação de uma nova associação de pais; a consolidação de uma articulação multidisciplinar ativa entre os profissionais implicados neste projeto: professores, educadora social, professores de Ensino Especial, terapeuta da fala e responsável pela biblioteca escolar.

Condições necessárias. Estas experiências e a literatura confirmam, todavia, que a intervenção do educador social no interior de uma escola não resulta automática e só será bem-sucedida se estiverem reunidas, pelo menos, três condições:
a) se houver capacidade para alimentar uma visão e intervenção estratégica comum entre todos os atores, que promova a ação responsável geradora de coesão;
b) se for respeitada a ação partilhada na intervenção especializada de cada profissional que resulte numa aprendizagem cooperativa entre pares;
c) e que, pela competência comprovada desses profissionais, haja humildade para reconhecer a autoridade pedagógica mútua implicada na intervenção para que se produza a ação justa junto da comunidade.

José Luís Gonçalves


  
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