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Eu ensino. Tu aprendes?

Depois de ter feito uma conferência em Lisboa, em que falei sobre a importância da adotar uma atitude e uma prática educativa inclusiva para todos os alunos, um dos participantes, jovem professor, fez-me a pergunta de ‘um milhão de dólares’: “na sua opinião, qual é a coisa, uma só, que deve ser a primeira mudança para começar a aprofundar este caminho da inclusão em Educação?”.
Apanhou-me desprevenido. Habituado a encontrar múltiplas causas e múltiplas soluções possíveis para a questão da Educação Inclusiva, fiquei momentaneamente perplexo e indeciso. Quando me recompus, respondi: “Antes de tudo, e em primeiro lugar, trabalhe para que todos os seus alunos aprendam”. “Mas eu dou aula a todos”, retorquiu o meu jovem interlocutor. “Não é a mesma coisa – disse eu – dar aula é uma coisa, que eles todos aprendam é outra”.
É muito produtivo situar o nosso foco de atenção na aprendizagem em lugar de só pensar no ensino. Dirão os meus leitores: “Mas o bom ensino é o que se encaixa na aprendizagem”. Eu diria que é verdade. Mas... quanto do ensino origina efetiva aprendizagem?
Este tema dirige-nos, inevitavelmente, para os ambientes e para as estratégias da Escola. A criação destes ambientes e o uso destas estratégias apontam para o tipo de conceito de aprendizagem que temos e para a forma como ela pode ser adquirida. Deixem-me abordar três pontos de discussão.

1. A aprendizagem não é papaguear uns conceitos, uns modelos, umas definições ou umas datas. Aprender é muito mais do que decorar ou mesmo do que conseguir ‘safar-se’ numa prova de avaliação. Quantas coisas já decorámos (existe um termo menos polido que tem a ver com os crânios dos bois e que muito bem define este processo...) e hoje completamente esquecemos?
Aprendemos? Não. Decorámos. Hoje, quando se fala em aprendizagem, queremos dizer que tem de haver uma mudança de perspetiva entre o que sabíamos antes e o que passámos a saber depois de termos aprendido. A aprendizagem é uma transição de paradigmas sobre uma visão e conhecimento da realidade. Aprendemos quando começamos a olhar para uma realidade de uma forma diferente daquela que olhávamos antes. Vê-se, assim, que decorar manuais, repetir ipsis verbis o que o professor disse, não significa que tenhamos feito uma aprendizagem, significa que temos boa memória – capacidade em que os elefantes nos parecem levar vantagem... e os computadores nos dão uma escandalosa ‘abada’...

2. Não existe aprendizagem sem relação. Mas relação entre quê? Antes de mais, entre o que sabíamos e o que temos de aprender. Nenhum professor consegue ensinar um aluno se não souber o que ele já sabe. Antes de mais, aprender é esta ponte entre o antes e o depois. Mas a aprendizagem implica outras relações: com o objeto do conhecimento. Ninguém consegue aprender se não estiver autenticamente interessado no objeto da aprendizagem. Daqui a importância de incentivar, de reforçar a motivação.
Teoricamente, toda a gente está interessada em aprender. Mas, na realidade, como poderemos fortalecer este interesse em conhecer, este interesse em ter uma relação com o objeto da aprendizagem? Sobretudo se o objeto de aprendizagem estiver ‘longe’ das motivações do aprendente? E falta ainda um outro tipo de relação: de quem ensina com quem aprende. Não conseguimos aprender com alguém a quem somos indiferentes, por quem não temos qualquer consideração ou mesmo que detestamos. Aprender implica, também, que se estabeleça relação entre ensinante e aprendente. Esta é uma relação de respeito, de incentivo, de descoberta e de camaradagem. Sem ela, nada feito. Três relações, portanto: com o que se sabe, com o que se quer aprender e com quem connosco coopera para aprender.

3. A aprendizagem tem que ter uma aplicação. Sabemos que se pode aprender sem que a aprendizagem tenha uma aplicação visível, direta ou até mesmo imediata. [Lembro-me de um colega cuja maior diversão era resolver problemas teóricos de Matemática e de outro cujo hobby era estudar os hábitos das baleias – que aliás nunca tinha visto]. Mas é necessário que a aprendizagem mostre que a mudança de visão da realidade que propõe pode ser útil, não só em termos de modificação da realidade, mas também em termos de compreensão dos valores sob os quais a realidade é vista. Por exemplo, é preciso que existam aprendizagens que se relacionem com valores de sustentabilidade, com valores humanistas que contribuam para uma nova e refrescada visão do mundo e do quotidiano.
Aprender e ensinar: duas realidades que parecem tão ligadas, mas que podem estar tão distantes. A Escola de qualidade que todos queremos, ainda que talvez com prioridades e itens distintos, é a Escola onde não só se ensina, mas sobretudo se aprende. Uma aprendizagem, embutida numa educação, numa Escola centrada na aprendizagem de tudo o que faz da pessoa um ser humano competente, participativo e solidário.

David Rodrigues


  
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