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‘Grandes dados’ não são forçosamente dados bons

Nas inúmeras apresentações do famoso Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (PISA), o diretor da Divisão de Análise de Indicadores da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) gosta de concluir com a frase: “Sem dados, é-se apenas uma pessoa com uma opinião”.

A afirmação de Andreas Schleicher é extremamente forte, não apenas porque visa colocar os dados no centro do que conta como ‘verdade’, mas também porque se refere a um tipo específico de dados: números e quantificação. E o que é igualmente importante é que um pequeno grupo de coletores e corretores comerciais de dados – que agora inclui a OCDE, o Banco Mundial, a Brookings Institution e a Pearson Education – está crescentemente posicionado a nível global, para além dos espaços em que os fundamentos da política educativa e as políticas concretas são debatidos pelos profissionais e público em geral.
A entrada do Banco Mundial no negócio da ‘verdade’ também se faz através da recolha de conjuntos de dados globais – os ‘grandes dados’ – sobre vários aspectos da Educação. Em 2011, lançou o projeto SABER (Systems Approach for Better Education Results), que se encontra agora nos vários estágios de recolha de dados e elaboração de relatórios.
Treze áreas foram identificadas, desde as políticas de professores e o financiamento das escolas até à avaliação dos alunos. Ao contrário da OCDE, que colige dados sobre o desempenho dos alunos e sobre as características dos professores, o BM optou por coligir dados sobre as políticas do sistema como evidência de que essas práticas existem, assumindo que, por sua vez, elas podem produzir melhores resultados dos alunos.

Limitações enormes. No entanto, o banco tem uma visão altamente normativa – ou ideológica, atrevo-me a dizer – do que conta para um bom sistema de ensino. Este será o que favorece a educação como um bem de consumo, colocando limites aos monopólios estatais, abrindo-os ao setor do lucro, no que muitos consideram como core business, e que introduz incentivos para o melhor professor e para o desempenho dos alunos. Então, o BM, fazendo uso dos dados de sistemas nacionais, classifica os níveis de progresso em direção a esse suposto ‘melhor sistema de Educação’, com base em juízos sobre o ponto desse caminho em que cada país se encontra: “latente”, “emergente”, “estabelecido”, “maduro”, etc.
Os relatórios são então produzidos para o país, incluindo comparações com outros países participantes no mesmo ciclo de recolha de dados. Contudo, existem enormes limitações nos instrumentos do SABER, pois a diferença entre os artefactos e a prática política é abissal.
Olhemos, por exemplo, para o SABER-Professores, um dos 13 instrumentos do projeto, e para a visão do BM (sob a forma de relatório) sobre o Camboja. O banco oferece uma visão razoavelmente favorável da trajetória do desenvolvimento das políticas de professores. No entanto, como os investigadores do Camboja apontarão, o quadro pintado no relatório é muito diferente da Educação que acontece no terreno.

Política vs. prática. Certamente que existem políticas em vigor, mas é aí que, para muitos professores, começam e terminam. A política é uma promessa, ou, neste caso, uma fantasia política a ser realizada. Mas, ainda assim, uma fantasia. Na realidade, muitos professores no Camboja, particularmente nas áreas rurais, estão frequentemente em situações muito precárias, no que diz respeito a condições de trabalho, salários, tamanho das turmas, e longe de uma relação confortável com o mercado e a mercantilização excessiva de quase todos os aspetos da experiência da Educação.
No entanto, o relatório sobre o Camboja informa que os professores têm condições de trabalho muito atraentes (classificadas como “estabelecidas”), embora, provavelmente, não estejam a ser formados de acordo com padrões específicos ou não estejam a ter um desenvolvimento profissional contínuo (classificado como “latente”).
Os alunos também são cuidadosamente monitorizados (implicando uma conexão com um ensino eficaz) através de exames. Contudo, e mais uma vez como mostram os investigadores cambojanos, o sistema de exame está repleto de corrupção e é o sistema-sombra de Educação (que os alunos têm de pagar) que determina os resultados dos alunos.
A diferença entre a política e a prática amplia-se ainda mais na medida em que existe um fosso entre o sistema de Educação formal, sobre o qual o BM reporta, e esse sistema-sombra, que fica longe da vista, mas é fundamental para a compreensão do desempenho dos alunos e do trabalho dos professores.

Conclusão. Este não é o lugar para desenvolver os problemas que o sistema de ensino cambojano enfrenta. Mas este é um exemplo útil para mostrar que a confiança de Schleicher nos dados não só é desadequada, como algo arrogante.
O que realmente está aqui em causa é que os ‘grandes dados’ podem ser maus ‘grandes dados’, assim como alguns dados podem ser igualmente maus. ‘Grandes’, simplesmente amplia as margens de erro – e para o Banco Mundial e o seu projeto SABER-Professores, elas parecem ser enormes.

Susan L. Robertson


  
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