Página  >  Opinião  >  Pero que carajo piensa el pueblo?*

Pero que carajo piensa el pueblo?*

“Lisboa tornou-se uma cidade movimentada, com acidentes de viação espetaculares, não só porque os portugueses conduzem de uma maneira intrépida, mas também porque estão genuinamente contentes – e por isso deixaram de respeitar os semáforos.”

“Nos restaurantes populares, onde se come um delicioso arroz com sangue de galinha, os empregados debatem-se com uma dúvida: no regime atual, é justo que recebam gorjeta?”

“Toda a gente fala e ninguém dorme. Às quatro da manhã de uma quinta-feira qualquer não havia um único táxi desocupado. A maioria das pessoas trabalha sem horários e sem pausas, apesar de os portugueses terem os salários mais baixos da Europa. Marcam-se reuniões para altas horas da noite, os escritórios ficam de luzes acesas até de madrugada. Se alguma coisa vai dar cabo desta revolução é a conta da luz.”

“Os comunistas pedem unidade sindical. Os socialistas dizem que socialismo sim, mas com liberdades. A extrema-esquerda protesta contra o imperialismo capitalista, os liberais dizem que o voto é a arma do povo e os anarquistas contestam, que a arma é que é o voto do povo. À noite, a reação lança granadas contra as lojas, envenenando o mundo inteiro com o rumor infame que o Portugal formoso e tranquilo das canções morreu.”

“Assim começou uma breve, mas intensa visita em que tive ocasião de conversar com ministros e operários, com escritores incrédulos e comerciantes assustados, com dirigentes políticos incertos e com militares seguros do seu poder, e com nenhum bispo”.

“A situação de Portugal é tão pouco parecida à de qualquer país europeu, inclusive Espanha, como se parece demasiado, com todas as vantagens e perigos, à de um país da América Latina.”

“É um país de pobres que enfrenta obstáculos terríveis e uma pressão tremenda. Por causa da sua posição geográfica, está obrigado a sentar-se de sapatos rotos e casaco remendado na mesa dos mais ricos e sofisticados do mundo.”

“O desafio é enorme [inventar o socialismo ‘à portuguesa’], mas estou convencido, modestamente, que [os militares do MFA] vão consegui-lo”.

 

*Título de uma das três reportagens que García Márquez escreveu para a revista “Alternativa” (Bogotá, Colômbia), sobre a situação política em Portugal (junho de 1975). “Portugal, território livre da Europa” (atmosferas e vivências) e “O socialismo ao alcance dos militares” (salientando o desapego dos militares face ao poder) são os outros títulos.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo