Ainda que não mais se discuta se os artefatos devem estar nas salas de aula, não está superada a pergunta: para quê? Há computadores sem conexão à internet até mesmo em laboratórios de informática e há restrições específicas de acesso.
Muito tem sido dito acerca das tecnologias da informação e da comunicação na Educação. O uso mais frequente da sigla TIC, por razões de economia linguística, pode até relegar a um segundo plano o seu contexto de origem e os movimentos que configuram a sua recontextualização. Mas, para começo de conversa, a própria designação evidencia a inscrição das TIC no enredo de outras relações sociais e para fins diversos. O que tem ocorrido com as TIC nas escolas? As respostas a esta pergunta parecem tender a privilegiar a presença dos artefatos, em si. Uma presença necessária, ainda que não suficiente, para redimensionar velhas práticas, que já não fariam tanto sentido para os alunos. Entretanto, este privilégio pode acabar obliterando as mudanças nas relações dos sujeitos entre si e com os artefatos tecnológicos no movimento de inscrever as TIC na intencionalidade constitutiva dos processos pedagógicos. Tomando o mais sintético dos objetos, o computador, seja em versão desktop, laptop, tablet, etc., com conexão à internet e popularizado, com preços cada vez menos proibitivos, é importante sublinhar a sua condição atual de “sonho de consumo possível” ou de “eletrodoméstico da vez”, desbancando a TV. Do ponto de vista das relações, é a comunicação de mão única sendo substituída por mão dupla, múltipla, em rede. São trocas diversas e possibilidades até então impensáveis. O que poderia haver, então, de semelhante à utilização da TV na escola? Para introduzir algumas questões envolvidas, recorro a uma situação concreta: 2009, uma escola pública municipal do Rio de Janeiro, frequentada por alunos pobres, muitos dos quais sem computador em casa. No começo da aula, queixando-se de que os computadores da escola raramente conseguiam conexão à internet, uma aluna diz: “é que nem geladeira escangalhada: só serve de armário. Nem dá pra chamar de computador”. Em uma das poucas aulas em que a conexão é conseguida, a professora parece mais mobilizada para verificar se os alunos não estão acessando sites “impróprios”. Os alunos parecem querer ludibriá-la, enquanto ela anda apressada por entre os computadores. Após a cena, professora e alunos tomaram a raridade da conexão como argumento para as atitudes que assumiram. Enquanto os últimos falavam da necessidade de aproveitar a oportunidade para ver “algo interessante”, a primeira alegava não poder perder a chance de pesquisar um conteúdo específico. “Escola não é lan house”, dizia ela. Naquele momento, acrescentou que ia pensar em pesquisas a partir das redes sociais, para “unir o útil ao agradável”, contentando a todos. A cena acima traz algumas indicações para pensar as TIC na Educação. A principal delas diz respeito à velha divisão entre destinações díspares e inconciliáveis, do tipo estudo X lazer. Ainda que não mais se discuta, como há décadas, acerca da TV, se os artefatos devem estar nas salas de aula, não está superada a pergunta: para quê? Há computadores sem conexão à internet até mesmo em laboratórios de informática e há restrições específicas de acesso. Que relações tem a valorização da “internet que interessa à escola” com os vídeos educativos de outrora? Por que será que professores que utilizam sistematicamente o computador em casa têm dificuldades de fazer o mesmo no trabalho? Por que os alunos, para usar uma expressão básica do Facebook, rede social ora hegemônica, tendem a “não curtir” tanto o seu uso nas salas de aula? Entre os chamados vídeos educativos, produzidos para ensinar conteúdos específicos, e os atuais “objetos de aprendizagem”, concebidos como “recursos digitais que possam ser reutilizados para dar suporte ao aprendizado” e acompanhados de instruções de uso, o X da questão parece continuar sendo a apropriação educacional do que seria (apenas) entretenimento.
Raquel Goulart Barreto
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