Desde a tomada de posse deste Governo, muitas e graves foram as decisões tomadas no campo da Educação e Formação de Adultos (EFA) visando a sua destruição, a desarticulação do sistema existente e a sua substituição por outro, pautado por medidas aparentemente avulsas e incongruentes tendo como reais objetivos a desqualificação das pessoas e a desvalorização do valor do trabalho. É assim que se podem entender as decisões de extinguir e/ou deixar de financiar a maior parte dos centros Novas Oportunidades (CNO), com a consequente interrupção abrupta, para muitos adultos, dos seus processos de reconhecimento, validação e certificação de competências (RVCC) ou a transferência, na melhor das hipóteses, para outros centros (todos a funcionar a prazo incerto); a transformação de alguns CNO (não se sabe ainda quais) em centros para a Qualificação e o Ensino Profissional, anunciada para janeiro de 2013; a redução muito significativa do número de cursos EFA e de adultos abrangidos, em resultado das condições impostas para a sua viabilização (designadamente o aumento do número de formandos por turma), impedindo não só a abertura de cursos como o seu funcionamento com o mínimo de qualidade. Ao mesmo tempo que estão a ser eliminadas ou fortemente condicionadas modalidades de educação e formação de adultos que tiveram um forte impacto na vida de muitos milhares de pessoas que delas se apropriaram, empenhando-se seriamente num processo que nada tem a ver com a corrupção e compadrio que envolve o caso Miguel Relvas, vivenciando experiências de formação em que se sentiram valorizadas e que lhes permitiram o estabelecimento de novas relações com o conhecimento, o saber, a formação e a Escola, assistimos ao aprofundamento de discursos e medidas centradas no acentuar dos défices de qualificação dos adultos e em lógicas de controlo social, designadamente dos desempregados e beneficiários do Rendimento Social de Inserção. É neste sentido que melhor podem ser compreendidas as prioridades agora definidas, designadamente a ênfase de novo colocada em processos de escolarização e no ensino recorrente (com turmas de 30 alunos...), o programa Vida Ativa, tornando obrigatória para muitos a frequência de diversas ações de formação de curta duração (sem o que verão cortados os subsídios e apoios sociais) e o fomento das designadas Formações Modulares Certificadas (módulos de 25 ou 50 horas). Ora, a frequência de módulos de formação soltos, quantas vezes desgarrados e desarticulados entre si, além de não assegurar efetivamente qualquer qualificação profissional, acaba por resultar, fundamentalmente, em processos de desqualificação pessoal e profissional. Dificilmente podendo fazer sentido, esta tipologia de formação tenderá igualmente a provocar um maior desinteresse, e mesmo rejeição, pelos processos educativos e formativos, perdendo-se toda uma dinâmica que, anteriormente, tinha sido criada. Do mesmo modo, alguns dos principais efeitos positivos identificados nos processos RVCC e nos cursos EFA, para além do aumento das qualificações dos participantes, como o desenvolvimento da autoestima e da autoconfiança ou melhorias (ainda que pequenas) na inserção social ou na progressão profissional são, neste novo modelo, praticamente inviabilizadas. O discurso de apresentação destas medidas é bem demonstrativo das visões redutoras do Governo sobre a educação de adultos, apontando quase exclusivamente a necessidade da sua adequação ao que serão as “exigências presentes e futuras do mercado de trabalho” e ao desenvolvimento de “capacidades optimizadoras da empregabilidade” [newsletter ANQUEP, out.2012], numa linha já conhecida e mistificadora de responsabilização da formação e de cada um pela sua situação face ao emprego/desemprego. Num momento em que se acentuam as políticas neoliberais, em que o índice de desemprego, incluindo trabalhadores altamente qualificados, atinge 15,9% da população ativa e 35,9% dos jovens entre 16-24 anos [Eurostat, out.2012], o que está verdadeiramente em cima da mesa é a utilização da formação como um dos meios para acentuar a precariedade, a desregulação e desregulamentação das relações de trabalho e para a criação de condições e disposições subjetivas para a aceitação de ritmos de trabalho cada vez mais intensivos, da diminuição dos salários e do valor do trabalho, do subsídio de desemprego e do conjunto das prestações sociais, do aumento da exploração, dos ataques aos direitos dos trabalhadores e ao Estado social. No atual contexto, também muitos professores e outros profissionais do campo da EFA têm sido vítimas de processos de despedimento e de total desrespeito pelos seus direitos e pela sua dignidade, com o aumento de situações de precariedade e indefinição quanto ao futuro próximo, a imposição de condições de trabalho desqualificadas e desqualificantes, sem reconhecimento nem valorização profissional, submersos em funções burocráticas e administrativas, com muito poucas (ou nenhumas) condições para a realização de um trabalho de qualidade com os adultos e, quantas vezes, transformados em “controladores” de assiduidade e de comportamentos que, no essencial, apenas servem à consolidação das políticas de cortes de direitos sociais em curso. Nestas condições, são muitos os desafios que se colocam a todos os profissionais verdadeiramente empenhados na educação de adultos, desafios que passam pela forma como são capazes de desenvolver o seu trabalho, contribuindo para que, apesar de tudo, os adultos se possam, também, apropriar destes espaços e tempos de formação numa perspetiva emancipadora, capaz de se traduzir numa maior capacidade de resistência e de combate a estas políticas, exigindo a restituição da dignidade aos adultos em formação, aos profissionais e à Educação e Formação de Adultos.
Teresa Medina
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