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Cordeiros e chacais

As sociedades do futuro não se constroem por ideologia, poderão ser tão fortes nas suas virtudes humanas como sejam poderosas a contaminação de bons sentimentos e a coerência dos gestos que apelam a essas virtudes.

Presumo que não estou enganado, ou então terei apenas a minha visão turvada pelo cenário empobrecido desses valores que são, de forma insistente, incluídos nos planos curriculares de alguns mestres que se dedicam a completar o que, por princípio, a família tem como incumbência. Em nome da perpetuação da dignidade e dessa felicidade que continuam a ser um mistério, em que o Homem se envolve e em cujos meandros vai lutando para encontrar uma razão para a sua finitude material e para o drama em cujo palco é chamado a representar. Mas, de facto, não bate a bota com a perdigota.
Quanto é ensinado, quanto é imposto, quanto é admitido como o caminho certo, são verdades e moralismos que se tresmalham da realidade que nos é oferecida em direto pela tecnologia, essa arte do saber que se insinua como libertadora e desperta os apetites consumistas de um meio-mundo onde reinam senhores que são apenas sombras de poderes sinistros sem destino nem humanidade. E o problema não está na tecnologia, nem tão pouco nos mestres.
Todos eles são instrumentos. Premeditados ou fruto do desgoverno dos povos, tanto faz, serão, isso sim, a face infeliz de uma moeda que paga a luxúria dos ídolos e a resignação dos cordeiros. O resto serão chacais que alguns julgam dominar apenas porque votam no seu açaime. E o mundo gira, e gira, ao sabor das vaidades e da supremacia da inteligência que conquista uma cadeira nos salões de castelos opulentos e fora de qualquer lógica. Refiro-me à lógica com que era suposto encontrarmos um destino de boa conformidade com o Universo e com a harmonia que extravasa das suas manifestações naturais.
Haverá uns poucos eleitos que poderão compreender que a bondade e boa convivência entre pessoas só fazem sentido com respeito mútuo no seio de uma sociedade em que o meio está incluso, em que haja esse sentimento proibido a reinar e que se relega para as páginas da ficção: o amor. Mas sobre essa minoria, lúcida de coração, impendem leis humanas que nos encurralam num regime global que se destrói a si mesmo enquanto devasta a maior realização da vida: a coabitação dos homens com instrumentos que tornam possível a harmonia entre todos. Ferozes, acorrem a destruir ideais e a pureza de intenções os sentimentos mais primitivos, de um mundo donde vimos e de que nos deveríamos ter libertado, para imporem na vida dos povos a guerra, os ódios, o poder que tresanda ignorância e cobardia. Porque de cobardia se trata, sempre que com uma mão podemos dar o pão e escolhemos aquela que rouba a voz, sempre que com um olhar podemos entender o sofrimento e decidimos castigar em nome dos nossos ódios com a chispa do deslumbramento, insanos, destituídos da ingenuidade que nos beijava no berço e deveria proteger ao longo da vida.
De cordeiros passámos a chacais, apesar de a História provar que devia de ter sido precisamente o inverso. Fomos bestas noutro tempo, podíamos ter aprendido a lição. Isto não dizem os mestres. Apelam para exemplos de conduta que nada se parecem com aqueles que as notícias nos oferecem. Os mestres não devem apascentar as ovelhas, devem inquietá-las, mostrar-lhes o rosto das feras para que seja reconhecido. À revelia dos seus tutores, a nossa Escola tem de regar o quotidiano com espírito crítico, com coragem, como a de dizer não quando tudo nos instiga a dizer sim. Não será com grandes fortunas nem com a alucinação da compreensão dos fenómenos, breve e fútil, que o mundo de amanhã se fará perpetuar.
Ensinemos os nossos filhos a procurar as coisas simples que, ainda assim, possam, nesta réstia da nossa presença no universo conhecido, fazer os dias alegres e ensinemos a semear e cultivar essa alegria rara e preciosa.

Luís Vendeirinho


  
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