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Africanidades e educação das relações étnico-raciais

As africanidades brasileiras vêm sendo elaboradas desde que os africanos escravizados trabalharam para a construção da nação brasileira. A ancestralidade garante a sua vinculação ao mundo africano, às sabedorias e aos conhecimentos oriundos da África.

Ao determinar a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, bem como de História e Cultura dos Povos Indígenas, a Lei 9.394/1996 (Diretrizes e Bases da Educação Nacional) busca tanto assegurar o reconhecimento e respeito à participação desses povos na construção da nação brasileira, como garantir a todos os brasileiros o direito de conhecer e valorizar as diferentes raízes que compõem a cultura nacional.
Acredita-se que o conhecimento recíproco propiciará a superação de racismos e a desconstrução de discriminações. Para tanto, é preciso reeducar as relações étnico-raciais, no sentido de serem respeitosas, éticas, valorativas de cada pessoa, de cada grupo étnico-racial na sua particularidade.
Na perspectiva do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, a educação das relações étnico-raciais tem como eixo articulador as africanidades – segundo Kabengele Munanga, africanidade é um conjunto de traços culturais comuns a múltiplos povos africanos [Mestiçagem como símbolo da identidade brasileira, em «Epistemologias do Sul», B.S. Santos e M.P. Meneses, 2010].
Na diáspora, as africanidades resultam do duplo movimento de adaptação a novas circunstâncias e difus ão do recriado. Recriam-se, pois, as africanidades na experiência de conhecer pensamentos que são alheios ao mundo africano e de buscar novos modos de viver e de expressar esse mundo.
Foi dessa forma que os africanos escravizados foram construindo o povo africano da diáspora brasileira. Já que o diálogo entre os escravizados e os que se consideravam seus senhores quase nunca era possível, resistências e rebeliões se constituíram em formas de expressão, ao lado de outras representadas pela espiritualidade sustentada pelos Ancestrais, por técnicas e instrumentos de trabalho africanos, por celebrações e rememorações representadas na corporeidade: indumentárias, musicalidade, convívio, criação de novas formas de se exprimir por meio da culinária, de jogos e danças, da oralitura e também do que se chamou de imprensa negra.
Africanidades brasileiras são manifestações histórico-culturais diretamente vinculadas à visão de mundo enraizada em culturas africanas, constituídas no esforço de africanos escravizados e de seus descendentes para manter o pertencimento étnico-racial, cotidianamente invadido e desrespeitado. Manifestações de africanidades são freqüentemente pautadas por intercâmbios, não por diálogos, em que se tentam insistentemente desqualificar a inteligência e saberes dos africanos, tanto do continente como da diáspora.
As africanidades contêm conhecimentos e significações originados em África anteriormente à colonização, aos quais foram se juntando os construídos a preço de muita dor, durante a travessia dos escravizados, no constrangimento de seres humanos reduzidos à condição de “peças d’África”. Tais conhecimentos e significações foram relidos na transferência de pensamentos e de tecnologias africanas para territórios não africanos, refeitos nas lutas por libertação, no combate ao racismo, na desconstrução das tentativas de embranquecimento de corpos e mentes.
As africanidades brasileiras guardam a memória da matriz africana. A ancestralidade garante sua vinculação ao mundo africano, às sabedorias e aos conhecimentos oriundos da África. Elas vêm sendo elaboradas desde que os africanos escravizados, com sua força moral, intelectual e física trabalharam para construção da nação brasileira. Dessa forma deixaram para seus descendentes e para outros grupos étnico-raciais fortes influências, ao mesmo tempo que receberam e incorporaram outras.
Como se vê, educar para relações étnico-raciais éticas e consistentes requer não só a disseminação de informações sobre a história e cultura dos negros brasileiros; requer postura atenta, curiosa, e comprometimento com a realização de projeto de sociedade equânime.

Petronilha Gonçalves e Silva


  
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