A Escola não pode ser tão rápida quanto as redes sociais: nela não cabe passar adiante, comentar ligeiramente ou “curtir”, como no Facebook; ela não cabe nos 140 caracteres do Twitter. A Escola tem que dar conta de “tudo” no seu tempo – o da análise, não passível de compressão.
O título retoma o do sexto álbum dos Titãs (banda brasileira de rock), lançado em 1991, remetendo-o às exigências ora postas à Escola. No caso, a expressão, que tende a circular socialmente como alusão a missões “quase” impossíveis, é investida de doses de impotência e recusa. Do ponto de vista do imaginário social, favorece a representação da Escola como instituição obsoleta, desconectada do tempo presente. Considerando que este presente tende a ser valorizado em si, sem perspectiva histórica, além de marcado pela compressão viabilizada pelas tecnologias da informação e da comunicação, fica a pergunta: como dar conta de tudo ao mesmo tempo agora? Sem supor seu isolamento em relação às demais práticas sociais, este é um convite a pensar o tempo da Escola, que diz respeito ao trabalho que a constitui. A Escola não pode ser tão rápida quanto as redes sociais, a menos que se descaracterize a ponto de abrir mão de refletir criticamente acerca dos textos que circulam nos ambientes reais e virtuais. Nela não cabe apenas passar adiante, comentar ligeiramente, ou “curtir”, como no Facebook. Ela não cabe nos 140 caracteres do Twitter. O filme veiculado no You Tube pode ser muito rápido, mas o trabalho com ele não. A peça publicitária tem preço proibitivo quando extrapola os 30 segundos de praxe. A Escola tem que dar conta de “tudo”, no seu tempo: o da análise, não passível de compressão. Para dimensionar o convite anunciado acima, resumo aqui o trabalho apresentado na 34ª Reunião Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Linguagens Articuladas na Sociedade e na Escola, Barreto, R. G. & Guimarães, G. C.), fundado na análise da campanha publicitária da Coca-Cola sob o título “Razões para acreditar. Os bons são maioria” (2010), disponível em www.youtube.com/watch?v=nWEgjrvVXUs. Sendo o seu complemento, ou subtítulo, “Abra a felicidade”, usamos a denominação “abrindo uma embalagem” para abordar as suas repercussões, expressas pelos quase 700 comentários registrados na mesma página. As peculiaridades deste material são muitas. Além da duração mais longa (cerca de um minuto), começa com texto escrito em branco sobre o fundo vermelho, no tom da logomarca: “Baseado em um estudo sobre o mundo atual”. Mesmo com a indefinição (“um”), serve de argumento de autoridade para a sua legitimação. A seguir, um coro de crianças em sala de aula entoa, em um crescendo, uma canção contagiante (Whatever, do grupo Oasis), como que reivindicando o direito de “ser livre para escolher e livre para cantar o que quiser”. O texto escrito que acompanha a sucessão de imagens adota perspectiva maniqueísta, reduzindo o bem, o u pessoa do bem, a crédula e otimista, e o mal, a pessoa má ou do mal, a descrente e pessimista. A convergência de palavras e imagens funciona na construção do mundo como liberdade de escolha individual, independente das condições materiais de existência. As imagens contrapostas podem ser frágeis, assim como os argumentos que sustentam as oposições: “para cada tanque fabricado no mundo... são feitos 131 mil bichos de pelúcia”, “para cada arma que se vende no mundo... 20 mil pessoas compartilham uma Coca-Cola”, etc. Entretanto, o conjunto da obra, no seu enredo emocional, conduz à representação apoteótica do produto como sendo a felicidade. Cerca de um minuto em quaisquer mídias. Quanto tempo na escola para a sua leitura crítica? Quanto tempo, ainda, para que os sujeitos incorporem a leitura dos textos tecidos por múltiplas linguagens? O tempo da aprendizagem pode ser longo e não conduzir à “felicidade fácil”, mas aponta para uma liberdade muito além de quaisquer produtos anunciados.
Raquel Goulart Barreto
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