E mesmo sendo um prato, por professor não o trato, senhor Crato. Nem lhe estou grato!...
Cala-te, rapaz! – diria a minha avó, do alto da humildade da sua antiga sabedoria. E rematando: Quem muito fala, pouco acerta! Nesse tempo ainda não havia nenhum Nuno Crato insurgido e por tal conhecido e consentido. Ninguém criava nos docentes a ideia de que ia devolver a dignidade à Escola, o rigor e a disciplina e... (rufem tambores!) o fim de um modelo de avaliação obsoleto. O homem que batalhava de língua afiada contra a Escola “romântica e construtivista”, seja isso o que for, acusava-a indiretamente e manifestava as suas preocupações com o abandono escolar, com as poucas e deficientes aprendizagens básicas dos alunos em “disciplinas importantes”, com a formação de professores que não privilegia o mérito e a capacidade pedagógica, com a indisciplina e com o centralismo ministerial impeditivo de as escolas poderem contratar melhores professores... E defendia os exames por agência externa, como indicadores principais do trabalho dos professores. Era um “prato”! Deu voz a si mesmo o ilustre matemático durante cerca de três anos; sem dúvida, um tempo de grande enriquecimento para o cargo que atualmente ocupa e do qual estará disposto, suponho, a prestar contas perante o país. João Grancho, então presidente da Associação Nacional de Professores, manifestou desde sempre o seu entusiasmo perante a coincidência das posições da sua instituição com as do futuro ministro, nomeadamente no que concerne a existência de mais rigor, exigência e qualidade – é hoje diretor regional de Educação do Norte. Também Paulo Guinote – uma entidade mais ou menos virtual que a partir de um blogue expandiu “verdades” sobre Educação que alguns quiseram acatar – se regozijou com um ministro que não iria preocupar-se com estatísticas, que iria seguir o caminho inverso dos desumanizados mega-agrupamentos e trazer muitas outras vantagens aos portugueses... O Rei vai nu! – gritaria a inocência de uma criança, neste passo da narrativa para a infância, para despertar nos adultos os olhos remelados de ilusões. É que quase nunca aquilo a que imagino que Nuno Crato possa chamar “romântico e construtivista” – denominação que cientificamente ou não me parece deselegante – foi posto em prática ao longo destes 37 anos e meio de democracia. É o mesmo que continuar a dizer que a culpa de o país estar assim é da esquerda, quando só me lembro de termos tido governos de esquerda liderados por Vasco Gonçalves durante pouco mais de um ano e sempre com ministros dos outros partidos, à exceção do V Governo Provisório, que durou o quente verão de 75; e de Julho de 79 a Janeiro de 80, o governo, mais independente, de Lurdes Pintasilgo, a segunda primeira-ministra na Europa, dois meses depois de Thatcher. Todos os outros governos (35 anos!) foram do PSD, em coligação com o CDS/PP ou não, ou do PS (que nem sempre jogou bem à esquerda, como recentemente vimos...); penso mesmo que a Educação esteve bem entregue ao PSD, antes do século XXI. O rei vai nu, em pele e osso, e com todas as suas vergonhazinhas à mostra. Já demos para muitas cantigas de muitos ceguinhos: de exames, de disciplinas “principais”, de escolas de primeira, de escolas públicas e privadas, de rigor e disciplina rígida, de mérito e bom comportamento “à antiga”, quando, afinal, o que se tem mesmo é fome e carências afetivas, para além da falta de condições na própria escola. E não há por onde andar para trás. Os caminhos são diferentes, vários, mas para a frente. Ser professor, hoje, é algo que se aprende no terreno. Crato pode ser um grande investigador; pode um dia ter sido professor no Rainha Da Leonor. Mas, como dizia um velho amigo sindicalista que, ao fim de 20 anos, resolveu voltar à escola para “sentir o terreno”, “este já é outro mundo!”.... E mesmo sendo um prato, por professor não o trato, senhor Crato. Nem lhe estou grato! O rei vai nu, já nem pele tem, agora que feirou as escolas e pôs a Educação e o futuro de uma nação num saco escuro, muito para além dos milhões que lhe foram pedidos pela troika, ou por não sei quem. Os vendilhões reedificaram o Templo por cima das ossadas de um povo e de um país prometido, resgatado, renovado em abril de 74.
José Rafael Tormenta
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