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Um inquietante silêncio

Conhecido como um intelectual marxista de marcante inteligência, com uma ponta de rigidez provocadora, elegante e ferina no seu staccato argumentativo, Nicos Poulantzas nasceu na Grécia, mas, exilado em França, foi em Paris que alcançou notoriedade com trabalhos de significativa originalidade, construídos com finura e imponência teórica. A sua memória reaviva-se agora como fonte de iluminação perante o sofrimento abrigado na grande insónia do mundo.

Para aqueles que, como eu, em algum momento, foram tocados pelo modo de ser intelectual do autor de «L’Etat, le Pouvoir et le Socialisme», a sua influência transcendeu os limites estritos da esfera acadêmica. Poulantzas, contudo, era um ser frágil, perseguido por uma exigência absoluta de serenidade, utopia e generosidade. Tomado, de quando em quando, por um imenso sentimento de tristeza, dele serviu-se e descortinou uma via singular nos corredores e cafés da rive gauche. Em 3 de outubro de 1979, cometeu suicídio, lançando-se do vigésimo segundo andar de uma torre no 13º arrondissement, na capital francesa. Últimas lágrimas choradas diante de uma situação sem esperança e nem recurso.
Teria sido ele acometido por aquela desesperada ideia de que “o futuro dura muito tempo”, ideia que, após a tragédia com a qual Althusser se envolveu no ano seguinte, serviu-lhe de título para as suas desesperançosas notas autobiográficas («L’avenir dure longtemps»)? Não sabemos. Talvez nunca saibamos. Do que nos é dado a saber é que Poulantzas enfrentou muitos e temerários desafios, em alguns momentos com ferocidade, em outros tantos cedendo à vertigem da aversão e do horror a si próprio.
Na introspecção que o acompanhava, uma inquietação intelectual permanente. Da sua opção inicial pelo existencialismo, aportou no estruturalismo que brotou na rua d’Ulm, onde um intermitente Althusser animava jovens cabeças com a tese do corte epistemológico, alegadamente operado por Marx, e tecia considerações sobre o nebuloso mundo da ideologia. Por lá, muitos passaram, mesmo que depois tenham tomado outros caminhos. Dentre eles, podem ser contados Michel Pécheux, Bourdieu, Foucault, Alain Badiou, Roger Establet e Étiene Balibar. Seja como for, da rua d’Ulm partiu porventura uma das mais extensas correntes do chamado marxismo ocidental, para a qual Poulantzas contribuiu de modo significativo.
Contudo, diferente do que apregoam determinadas críticas que lhe foram dirigidas, rotulando-o como mero reprodutor do estruturalismo althusseriano, Poulantzas não ficou por aí. Naquilo que pode ser definido como uma terceira fase do seu pensamento, os seus escritos busintempestiva genialidade. Da minha parte, a lição é clara: o tempo está fora dos eixos porque o discurso poderia ser recolocado em novas bases, mas, por alguma razão, a recuperação desta linha discursiva cansa os ouvidos, pois se sente que o tempo passou. Esta descoincidência entre a instância lógica e a instância empírica, no entanto, não terá que necessariamente invalidar a teoria.
O diálogo do pensador do “tempo fora dos eixos” com Foucault ocorre em duplo movimento, isto é, ora na intensa divergência, ora na convergência com formulações suas. Conforme tem sido bastante repisado, em seu diagrama do poder, Foucault assinala – a partir de elaborações como micropoderes e saber/poder – que o rial de forças, permeado de conflitos, contradições e de micropoderes.
Três décadas se passaram daquele dia 3 de outubro de 1979. Sobre despojos e ruínas, o turvo travo do tempo. Um imenso silêncio, desde então, se fez sobre a obra de Nicos Poulantzas.
Silêncio inexplicável, quando se considera, por exemplo, a pertinência do diálogo crítico que ele mantém com as teses de Foucault sobre o poder, sempre tão recorrentes na retórica acadêmica. Mas, quando é inexplicável, o silêncio torna-se inquietante. Resistência da penumbra ao ocaso. A meia-luz que não se contém.
O lume volta a se intensificar na busca de fazer claro sobre o que se passa.

Ivonaldo Leite


  
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