Com este mesmo título escreveu, em 1977, o historiador, já falecido, Victor de Sá, que foi professor das universidades do Porto e do Minho, um breve mas objectivo ensaio sobre o estado da Nação após a Revolução de Abril e a saída das colónias. Nele fixava alguns pontos de um percurso histórico que historiadores mais antigos, como Oliveira Martins, e outros contemporâneos, como Vitorino Magalhães Godinho (recentemente falecido), já tinham analisado exaustivamente e com uma acutilância que obriga a pensar sobre o que (não) mudou em Portugal. Por exemplo, reportando ao tempo de D. Manuel.
“Ao mesmo tempo que era dado à aristocracia, o dinheiro dos monopólios passava aos estrangeiros, a quem se compravam todas as coisas. As mercadorias com que os portugueses adquiriam o ouro, escravos, etc., só em diminuta parte eram de produto nacional. O comércio marítimo destruía assim a indústria do país, em vez de fomentá-la pela fixação da riqueza no trabalho nacional. (...) Desta maneira, o lucro da expansão marítima e do monopólio do comércio com o Oriente ia para a finança, a agricultura, a indústria dos demais povos europeus. Pois, para cobrir os défices constantes, pedia-se dinheiro no mercado da Flandres, e os empréstimos sucediam-se de ano a ano, reformando-se as letras e acumulando-se os juros. O próprio monopólio da venda das especiarias foi frequentes vezes administrado por alemães, genoveses e florentinos. Este é o fenómeno que, em épocas sucessivas e em circunstâncias diferentes, vemos manter-se no decurso de toda a nossa história Moderna e Contem porânea”. E hoje, como nos vemos e encontramos? Por muito que doesse, uma resposta poderia ser curta e brutal: na mesma, como sempre. O discurso de Maio do Presidente da República avocou, como imperativo, o reconhecimento de que Portugal está colocado perante um desafio de valores e atitudes que o salvará ou não de um destino fatal. As últimas palavras desse discurso soaram mesmo como um de profundis (clamavi). Não era caso para menos: o extenso, minucioso e humilhante memorando elaborado pelos emissários da União Monetária sobre o estado da nação só não valerá como um diagnóstico da administração pública portuguesa, revelador da displicência, e quiçá inaptidão, dos que assumiram a responsabilidade de governar o país, ao longo dos tempos, se os actuais e futuros dirigentes perseverarem numa comédia psitacótica, animada pelos meios audiovisuais, como se tratasse de um concurso do tipo dize tu-direi eu, em que o primeiro a calar-se, perde. Entretanto, o país da gente honrada e capaz que não foi eleita, escolhida ou teve a sorte de caber nas cortes da política ou do dinheiro, salta a fronteira nacional em busca de um sítio onde julga poder construir um ninho. Uns fazem-no com a determinação de não voltarem à pátria, chegando ao extremo pungente de dizerem que têm vergonha de ter nascido em Portugal; outros, sofridos, mas não blasfemos, pensarão que, fugindo para países que já acolheram milhões de portugueses, poderão sarar as feridas da exclusão. Estranhos percursos, os dos portugueses de todos os tempos da sua história, sempre constrangidos com fugas e deserções dum território de eleição, porque dotado com mar, rios, solo, floresta e clima excepcionais, cujo aproveitamento, apenas exigindo imaginação e trabalho, escandaliza outros pequenos países da chamada União Europeia, que, não dotados com os mesmos recursos naturais, pela educação, trabalho e vontade ultrapassam as carências e determinam o seu destino, pensando que parar é morrer. A História, que às vezes ocorre aos palradores anti-cartesianos – “falo, logo existo” – como um rebuçado para amenizar a garganta, pode ter várias leituras. E uma delas seria, porventura, a de que os portugueses são maus pagadores à Natureza pelo país que desperdiçam. Culpas? Razões? São muitas, algumas brutais, mas sempre tendo na base uma educação errada, que não raro lhes mente, ilude ou engana. Fiquemos com uma ‘lição’ de outro ilustre historiador e pedagogo, Jaime Cortesão, recolhida de «Os Factores Democráticos na Formação de Portugal». “A primeira lição que a história e a vida nos ensinam é a da transitoriedade dos mitos, dos regimes e sistemas. Mas também da capacidade do homem em melhorar as sociedades. Os homens passam e desaparecem; a Humanidade permanece e marcha. E assim somos levados, na interpretação do passado, a formular um juízo mais equilibrado entre a criação colectiva e a das personalidades representativas; entre as solicitações de carácter económico e as influências culturais e religiosas – de cuja conjuntura instável nasce o permanente devir histórico. E quanto mais buscamos as raízes do Português, tanto mais na essência do nacional descobrimos o universal”. O universal que nos confronta, convenhamos.
Leonel Cosme
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