“Que espantosos pedagogos nós éramos, quando não nos preocupávamos com a pedagogia!” (Daniel Pennac, «Como um Romance»)
“Que estudantes são estes que agora chegam ao Superior?” cogitava o Prof. S., no anfiteatro, frente a uma turma de 59 estudantes do 1º ano, ao observar uma meia dúzia absorta nos seus portáteis, a leste do que se debatia na aula. Esta era uma pergunta que, de forma recorrente, o assaltava nos últimos tempos. Agora, no ciclo terminal da sua carreira, ganhava consciência da diferença entre aquela juventude e a que ensinara no último quartel do século. Quando há dois anos, uma estudante, sentada numa das filas de trás, ligou o seu portátil e esteve toda a aula de olhos colados no ecrã, o Prof. S. não conseguiu reagir (era aquilo novidade ou atrevimento?). Entretanto, o número de computadores na aula vai crescendo, paulatinamente. Quando se trata de um telemóvel, manda desligar. É suposto proceder do mesmo modo quando abrem o computador? E quando a “geração-magalhães” – variante indígena da net-geration – chegar ao Ensino Superior, como vai ser? Todos levarão o seu portátil (ou o ipad), que dispensa a actual mochila carregada de livros e cadernos, transformando cada sala de aula no que hoje, pomposamente, se chama “laboratório de informática”. O Prof. S. voltou a fixar-se naqueles seis estudantes; por detrás da barreira do ecrã dos portáteis, o que fará cada um deles neste momento? Consultando a Ticketline na esperança de arranjar um bilhete para ‘a cena’ imperdível da Kate Melua, no Coliseu do Porto; indo ao YouTube divertir-me com a “Sonia poliglota”; vasculhando no Facebook as fotos tiradas por aquele brasileiro bacano, durante a copo fonia da Semana Académica; entrando no Messenger para uns dedos de conversa com a minha namorada com quem não ‘curto’ há já uns dias; fazendo um download para o MP3 de umas canções fixes dos Coldplay; dando uns retoques no power point para apresentar na aula da tarde; acrescentando mais uns sites à webgrafia do ensaio para a UC “Ciberculturas” que tenho de entregar amanhã... Aí estavam as connecting classrooms que o seu colega Jonas Guevara, com tanto entusiasmo, vem proselitando! Pois é, mas não seria de esperar que a conexão com exterior fosse também alargada à matéria, ao professor e aos colegas da turma? O Conselho Pedagógico devia analisar este tipo de comportamentos, mas parece que aí se discute tudo menos pedagogia. E ia mergulhado nestes pensamentos quando entrou na sala de reuniões do Conselho Científico. Ainda estavam no primeiro ponto da (habitual) longa ordem de trabalhos. Quase metade dos 25 membros daquele órgão estava inclinada nos seus PC portáteis, topo de gama (Acer, Toshiba, HP), todos pretos. Navegando, decerto, no ciberespaço. Talvez para não se entediarem com a burocracia democrática e a análise daquela literatura cinzenta a que era preciso dar despacho. Estavam “noutra”, online: comprando na Amazon a edição póstuma de Clifford Geertz; lançando no portal os sumários em atraso; procurando uns dados para um artigo a propor a uma prestigiada revista americana, naturalmente, digital; colocando uns tantos ficheiros no moodle para mais uma sessão de e-learning da UC “Produção de Conteúdos para a Web”; ultimando o relatório da bolsa de curta duração à Eslovénia (não posso deixar de referir o filósofo Slavoj Zizek que tanto me impressionou); revendo a intervenção para o workshop da U. Minho sobre “Educação para o Sofrimento: a saúde do luto”; dando uma vista de olhos no correio electrónico... Eram obrigados a “desligar” no momento das votações. “Curioso, as reuniões do Conselho Científico têm vindo a acabar cada vez mais cedo!”, dava-se conta o Prof. S. As discussões, por ali, estavam, de facto, mais esparsas desde que o computador passou a ferramenta de “trabalho” inseparável dos conselheiros. Afinal, não são só os estudantes que estão diferentes. Todos nós estamos! Os mais velhos (os do Restelo) é que teimam em não usar espelho! No próximo ano lectivo, o Prof. S. vai passar a levar, para aulas e reuniões, o seu MacBook, branco. Ou não fosse ele um céptico desconstrutivista...
Luís Souta
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