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Narrativas iniciáticas no cinema da infância

Os heróis das narrativas iniciáticas ganham o seu ingresso no mundo ou o ingresso neles próprios? Qual o sentido de seu caminho? Simples passagem de um a outro momento de sua vida ou constituição mais formal de um indivíduo?

Um processo iniciático baseia-se numa relação exterior-interior: quer se trate do percurso de um personagem que entra no mundo dos homens (como se a criança não fizesse inteiramente parte dele ou nele devesse conquistar o seu lugar), quer da descoberta de uma outra vertente que seria um caminho iniciático direcionado para um melhor conhecimento de si próprio, que possibilite encontrar uma entrada, a abertura de uma porta íntima. A questão do rito de passagem, do abre-te sésamo, do ingresso, está, de qualquer modo, sempre presente.
É problemático imaginar o personagem de uma narrativa iniciática perder algo na sua caminhada ou se desfazer a pouco e pouco dele próprio. Os heróis das narrativas iniciáticas ganham o seu ingresso no mundo ou o ingresso neles próprios? Qual o sentido de seu caminho? É necessário lembrar que as histórias de infância se apóiam majoritariamente no período de latência (6-12 anos), no qual o indivíduo se desinveste do corpo. A narrativa iniciática torna-se, então, um regresso sobre si mesmo. É interessante notar que a maioria das narrativas iniciáticas possuem uma estrutura um pouco circular com um regresso ao ponto de partida, como um boomerang.
A narrativa iniciática representa a etapa mais relevante da formação de um indivíduo em toda a sua existência. Essa etapa é da maior relevância para o menino Josué, um dos protagonistas do filme «Central do Brasil», que é o típico road movie, obra simultaneamente simples e fantástica que procura relatar uma saga dos excluídos. É um filme sobre o retorno ao lar, sobre o afeto, sobre a descoberta do afeto, sobre o amor, o desejo, a memória, o esquecimento. É também, e fundamentalmente, um filme sobre a recuperação da identidade, a descoberta da origem.
A construção da identidade, a busca do pai, se faz igualmente presente nas cinematografias dos princípios dos anos 80. Como nos refere Angel Quintana: “A queda do Murro de Berlim, a decomposição do comunismo, a crise dos grandes relatos utópicos converteram a questão da crise de identidade em um dos temas mais centrais do cinema contemporâneo. Em um mundo à deriva, a busca do pai convertia-se em metáfora da necessidade de consolidar um novo horizonte de crenças. Dez anos depois, o cinema que surgiu no novo milênio tem transformado sua busca e convertido o tema da necessidade do encontro do filho em uma questão vital”. [Salvem as crianças! Ou a infância como horizonte de certo cinema contemporâneo, em «A infância vai ao cinema», org. I. Teixeira, J. Larrosa, J.M. Lopes]
Esta questão é visível em inúmeros filmes. Veja-se, entre outros, «Billy Elliot», no qual se aborda o abandono da infância sem ainda as referências, mesmo que precárias, da adolescência. “Trata-se de um menino de 11 anos diante de si mesmo e contra as hostilidades do mundo em sua volta, experenciadas naquilo que o define como sujeito: o próprio corpo. A busca de uma identidade que lhe dê sentido pessoal, como também o distinga da massa informe de homens. Ao mesmo tempo, a identidade do menino, gênero que impõe a incorporação de determinados papéis e performances sociais”. [A.L. Alvarenga e M.C. Gouvêa: Billy Elliot ou, na dança, o cisne, em «A escola vai ao cinema», org. I. Teixeira, J.M. Lopes]
Mas será que essa etapa representa sempre uma narrativa de aprendizagem? Algumas vezes o protagonista aprende alguma coisa, por vezes ele apenas transpõe uma etapa. Simples passagem de um a outro momento de sua vida ou constituição mais formal de um indivíduo.

José Miguel Lopes


  
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